sábado, 1 de setembro de 2007

Ronda

(Paulo Vanzolini)

De noite eu rondo a cidade
A lhe procurar sem encontrar
No meio de olhares espio nas mesas dos bares
Você não está
Volto pra casa abatida

Desenganada da vida
No sonho eu vou descansar
Nele você está
Ai se eu tivesse quem bem me quisesse
Esse alguém me diria
Desiste, essa busca é inútil
Eu não desistia
Porém com perfeita paciência
Sigo a procurar
Hei de encontrar
Bebendo com outras mulheres
Rolando um dadinho
Jogando bilhar
E nesse dia então
Vai dar na primeira edição
Cena de sangue num bar da avenida São João.


Paulo Emílio Vanzolini é diretor do Museu de Zoologia da USP e uma das maiores autoridades em herptologia do mundo. Pra quem não sabe, como eu não sabia até ontem, herptologia é a área da biologia destinada ao estudo de cobras e lagartos.

Talvez, por isso, ao se dedicar a compor nas rodas da boemia, Paulo Vanzolini destilou seu veneno em pérolas da música popular brasileira. Se a maior parte de seu repertório, assim como seus estudos em herptologia, é desconhecida do grande público, Ronda e Volta por Cima encontram-se entre as canções mais executadas do Brasil, rendendo alguns níqueis ao compositor, que, com o dinheiro recebido dos direitos autorais dessas canções, montou uma das maiores bibliotecas da América Latina na área de répteis e anfíbios.

Apesar do sucesso, o compositor não se cansa de soltar cobras e lagartos sobre Ronda, sua música mais famosa. Considera a canção “piegas”, uma “bobagem que fez aos 21 anos", quando estava no Exército e fazia ronda no baixo meretrício:

A coisa mais engraçada é que o povo acha que Ronda é um hino a São Paulo, mas na verdade ela é sobre uma mulher da vida (risos). Naquela época, servindo o Exército, eu patrulhava o baixo meretrício. Uma noite, na saída, eu estava tomando um chope ali pela avenida São João, quando vi uma mulher abrindo a porta do bar e olhando para dentro. Imaginei que ela estava procurando o namorado. Ele pensava que era para fazer as pazes, mas o que ela queria era passar fogo nele (risos).”

Claro que o dinheiro referente aos direitos autorais de Ronda não vem das grandes gravadoras, nem, tampouco, das rádios comerciais, mas dos pedidos feitos em guardanapos molhados de lágrimas nos botecos, em que o título da canção é, muitas vezes, confundido com o da moto japonesa: “Toca Honda”, pedem os boêmios de cotovelos doloridos.

O compositor se diverte com o feito: “Claro que eu recebo o dinheiro que entra de bom coração. (...) Japonesa fica com dor de corno e vai ao karaokê cantar Ronda”.

Ronda foi feita em 1945, mas foi gravada, somente, em 1953. Segundo Vanzolini, Inezita Barroso, muito amiga de sua mulher, foi para o Rio de Janeiro gravar A Moda da Pinga. A gravação seria num sábado à tarde e o casal foi junto para fazer companhia. Chegando lá, perguntaram a Inezita que música seria gravada no lado B do disco. O verso de A Moda da Pinga deve ter-lhe subido à cabeça: “A marvada pinga é que me atrapaia...”. Tremenda dor de cabeça. Àquela altura do campeonato, em pleno sábado, Inezita podia ser, como é, ainda hoje, conhecedora de um vasto repertório, mas onde conseguiria a autorização do autor? Foi por isso que gravou Ronda. E, de acordo com o autor, ainda errou a letra na gravação.

Para ela, a história não foi bem assim:

Eu fui pro Rio gravar A Moda da Pinga. Gostaram muito, e 'do outro lado o quê?' O Paulo Vanzolini estava comigo no Rio, tinha ido fazer um trabalho de zoologia, nós éramos muito amigos e ele foi pro estúdio comigo. Aí ele olhou assim meio pedindo e eu falei: 'Tá bom, do outro lado vai Ronda, do Paulo Vanzolini'. Aí me perguntaram: 'O que é isso?' Falei: 'É um samba paulista'. Pra que eu falei isso. 'Samba paulista, São Paulo não tem samba'. Aí o Canhoto, que era o dono do regional que acompanhava, disse: 'Canta aí pra eu ouvir'. Aí eu cantei Ronda e foi aquele sucesso."

A letra que Inezita cantou e que encabeça esta publicação é um pouco diferente daquela eternizada pelas cantoras Márcia, Maria Bethânia e pelas japonesas com dor de corno que, há mais de cinquenta anos, invadem os Karaokês e alimentam os répteis e anfíbios da biblioteca de Vanzolini.


http://www.sescsp.com.br/sesc/hotsites/mpb4/07_inezita.htm - programa Ensaio, da TV Cultura, em 1998, aos 73 anos de idade.

http://cliquemusic.uol.com.br/br/Servicos/ParaImprimir.asp?Nu_Materia=1490

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Garota de Ipanema

(Antonio Carlos Jobim/Vinícius de Moraes)

Olha que coisa mais linda
Mais cheia de graça
É ela menina
Que vem e que passa
Num doce balanço, a caminho do mar
Moça do corpo dourado
Do sol de Ipanema
O seu balançado é mais que um poema
É a coisa mais linda que eu já vi passar

Ah, porque estou tão sozinho
Ah, porque tudo é tão triste
Ah, a beleza que existe
A beleza que não é só minha
Que também passa sozinha

Ah, se ela soubesse
Que quando ela passa
O mundo sorrindo se enche de graça
E fica mais lindo
Por causa do amor

Da Patagônia a Vladivostok, todos conhecem “The Girl from Ipanema”. Que a nossa garota é das mais rodadas, ou melhor, das mais executadas do mundo, também não é novidade para quem vive entre o Oiapoque e o Chuí. Da Penha a Jacarepaguá, da mesma maneira, todos sabem que Tom Jobim e Vinícius de Moraes compuseram esta obra-prima num bar, em homenagem a Heloísa Eneida Menezes Paes Pinto, ou simplesmente Helô Pinheiro.
Antes da visão inspiradora, porém, a música de Tom chegou a receber outra letra de Vinícius, que nenhum dos dois gostou muito. A música se chamaria “Caminho do Mar” e teria a seguinte letra:
“Vinha cansado de tudo
De tantos caminhos
Tão sem poesia
Tão sem passarinhos
Com medo da vida
Com medo de amar
Quando na tarde vazia
Tão linda no espaço
Eu vi a menina
Que vinha num passo
Cheio de balanço
Caminho do mar”
“Caminho do Mar” foi feita para um musical de Tom e Vinícius chamado “Blimp!”, que não chegou a ser encenado. Na peça, os atributos da garota seduziriam um extraterrestre que pousava de disco voador na praia de Ipanema.
Eis que numa bela tarde de 1962, em Ipanema, no Bar Veloso, hoje "Bar Garota de Ipanema”, na esquina da Rua Prudente de Morais com a Rua Montenegro, hoje Rua Vinícius de Moraes, o poeta que viria a dar o nome à rua e seu parceiro, entre uma e outra cervejinha, inspirarados no corpo dourado moradora do número 22 da mesma Rua Montenegro, que passava caminho do mar, resolveram mudar a letra e o nome da música, para dar mais ênfase à Garota que ao Caminho.
Somente dois anos e meio depois, quando “Garota de Ipanema” já era “The Girl from Ipanema”, conhecida em todo o mundo na voz de Astrud Gilberto e no violão de seu marido João, com o auxílio luxuoso do sax de Stan Getz, a garota descobriu que era "a Garota" e retribuiu a gentileza convidando Tom e sua mulher, Thereza, para serem padrinhos de seu casamento.
Esta, pelo menos, é a versão oficial, questionada pelo jornalista, pesquisador e crítico musical João Máximo, em um artigo escrito para o jornal “O Globo”, intitulado “Um clássico rico também em boas histórias”.
O jornalista baseia sua versão numa suposta incongruência de datas: “O samba foi escrito em meados de 1962. E a divulgação do nome da musa aconteceu três anos depois. Quem na época trabalhava na revista ‘Fatos & Fotos’ sabe: o então misto de letrista e repórter Ronaldo Bôscoli, que há muito tempo andava de olho em Heloísa Eneida, vendeu o furo de reportagem ao editor e partiu com o fotógrafo Hélio Santos para mostrar ao mundo a verdadeira Garota de Ipanema. A reportagem foi um sucesso. E promoveu de tal forma o samba que Tom e Vinicius teriam achado melhor assumir que aquela era mesmo sua musa.”
E Vinícius o fez por meio de um texto chamado “A verdadeira Garota de Ipanema”, onde exalta as virtudes da Garota e de Jobim, comparando-o a Einstein. (Leia o texto de Vinícius no comentário a esta postagem).
Se João Máximo está certo em suas afirmações não se pode garantir, mas “Garota de Ipanema” é, de fato, como ele atesta no título de seu artigo, um clássico rico também em boas histórias.
Nos anos 60, Blota Jr. e sua mulher, Sonia Ribeiro, comandavam, na TV Record, o programa “Esta Noite se Improvisa”, em que os concorrentes testavam seus conhecimentos musicais . O apresentador dizia uma palavra e o concorrente que primeiro apertasse o botão colocado à sua frente, dirigia-se ao microfone e cantava uma música, que, obviamente, contivesse a tal palavra.
Os grandes nomes da MPB participavam do programa. Consta que Caetano Veloso era imbatível, seguido de perto por Chico Buarque, que, quando não se lembrava de nenhuma música, não se fazia de rogado e compunha uma na hora, citando, ou inventando, o nome do compositor e a data em que foi feita.
Um dos piores era Vinícius. Não que lhe faltasse conhecimento ou cultura musical. Segundo o poeta, em sua família diziam que ele cantou antes de falar. O que lhe faltava, na verdade, era agilidade para apertar o botão.
Certa noite, porém, Blota Jr. lançou seu bordão:
- A palavra é... “garota”.
Mais que depressa, com agilidade do menino criado na Ilha do Governador, Vinícius premiu o botão e, já aprumado no microfone, pôs-se a cantar, cheio de graça, “Garota de Ipanema”.
Mas cheia de graça, em sua música, quem passa é a menina. Na letra não tem “garota”.
E o poeta, sem graça, voltou ao seu posto, lembrando a garota que vira passar.

Fontes:
http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/asp0708200292.htm
http://www.garotadeipanema.com.br/historia_e_fotos_garota_de_ipanema.htm
http://www.jobim.com.br/
http://www.viniciusdemoraes.com.br/
Humberto Werneck, Gol de letras, em Chico Buarque Letra e Música, Cia da Letras, 1989

quarta-feira, 4 de julho de 2007

Boi Voador Não Pode

Chico Buarque - Ruy Guerra
1972-1973
Para a peça Calabar de Chico Buarque e Ruy Guerra


Quem foi, quem foi
Que falou no boi voador
Manda prender esse boi
Seja esse boi o que for

O boi ainda dá bode
Qual é a do boi que revoa
Boi realmente não pode
Voar à toa

É fora, é fora, é fora
É fora da lei, é fora do ar
É fora, é fora, é fora
Segura esse boi
Proibido voar

1972/1973 © by Cara Nova Editora Musical Ltda.

Nem que alguns senadores roguem aos céus, nem que a vaca tussa, boi não voa.
Esta marcha carnavalesca, composta por Chico Buarque e Ruy Guerra para a peça Calabar, tem servido de mote a vários protestos no Planalto Central contra os recentes escândalos envolvendo bois, vacas e outros ruminantes.
A peça é ambientada no Nordeste brasileiro, em meados do séc. XVII, no período da ocupação holandesa . Seu nome completo, Calabar, Elogio da Traição. Sua intenção, demonstrar que Domingos Fernandes Calabar, que abandonou as linhas portuguesas para aliar-se aos holandeses e, por isso, é tratado nos livros de história como grande traidor, na verdade, traíra, apenas, os interesses de Portugal, ao passo que os demais personagens traziam em seus ombros a culpa de alguma forma de traição, fosse de ordem conjugal, à sua raça, sua classe, ou ao Brasil.
Na realidade, as razões que levaram Calabar a fazer esta troca são desconhecidas, mas na peça, em sua opinião, o Brasil seria melhor se pudesse ser governado pela Holanda, ou melhor, pela Companhia das Índias Ocidentais, comandada por Maurício de Nassau, uma empresa ao invés de um Império, que promoveria um tratamento mais humano aos negros, a pacificação do país, a liberdade de culto, o desenvolvimento urbano.
Voltando à vaca fria, em uma das cenas, Nassau promete fazer uma ponte ligando Recife à Cidade Maurícia, para celebrar a paz com Portugal, mas um de seus aceclas o alerta de que o povo não tem “muita fé nessa ponte...Dizem que é mais fácil um boi voar...”, ao que o impávido colosso holandês responde: “Pois terão as duas coisas: a Ponte e o Boi! Viva Dom João Quarto, rei de Portugal!”.
Depois, quando finalmente inaugura a ponte, o personagem de Nassau cai no samba com o coro, entoando a marcha “Boi Voador não pode”, exibindo toda sua ginga holandesa e sua familiaridade com as coisas da Terrinha.
A cena encontra respaldo na história.
No dia 28 de fevereiro de 1644, um domingo, Nassau marcou a inauguração da tal ponte – hoje, “Ponte Maurício de Nassau” -, em comemoração à sua partida do Brasil. Para recuperar parte do dinheiro investido, haveria cobrança de ingressos e, para aumentar o público, o Conde holandês desafiou a gravidade e anunciou que faria “um boi voar” durante a inauguração.
E assim foi feito. Para o espetáculo, por ser manso e conhecido, foi escolhido o “boi do Melchior”, um animal de pêlo amarelado, famoso na cidade por entrar nas casas e subir as escadas. O bicho ficou ruminando o dia todo em frente ao Palácio do Governo. Ansioso, o povo vigiava incrédulo, pois sabia que se boi bravo não voava, o do Melchior não sairia do lugar.
Enquanto isso, em manobra digna dos mais astutos senadores brasileiros, Nassau ordenou que se arranjasse um pedaço de couro, de tamanho e cor iguais ao do boi exposto no Palácio, que foi empalhado e inflado como um balão. Amarrado em cordas bem finas, invisíveis ao público que lotava a praia e os barcos, o “boi voador” foi preso por roldanas e controlado por alguns marinheiros, que faziam o bovino fantasma dar piruetas em pleno ar, para delírio dos pagantes e de Maurício de Nassau, que, com a venda de ingressos, recuperou boa parte do dinheiro investido na ponte.
Por causa disso, em Brasília, até hoje, ainda há quem acredite em obras faraônicas e bois voadores. É verdade que eles custam muito mais caro que seus colegas terrestres. Mas boi voador não pode. É fora do ar. É fora da lei. Por isso, o povo canta:
-“Manda prender esse boi, seja esse boi o que for!”

Fonte: GONÇALVES, Fernando Antônio. O Capibaribe e as pontes. Recife: Comunigraf, 1997. 86p.
BUARQUE, Chico e GUERRA, Ruy. Calabar: Elogio da Traição– 20 ed. Com texto revisado e modificado pelos autores. Rio de Janeiro: Civilação Brasileira, 1995.

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Torresmo à milanesa


(Adoniran Barbosa e Carlinhos Vergueiro)

O enxadão da obra
Bateu onze horas
Vamo se embora, João
Vamo se embora, João
Que é que você troxe

Na marmita, Dito?

Truxe ovo frito
Truxe ovo frito
E você, Beleza,
o que é que você troxe?
Arroz com feijão
E um torresmo à milanesa
Da minha Tereza
Vamos almoçá
Sentados na calçada
Conversarmos sobre isso e aquilo
Coisas que nóis não entende nada

Depois, puxa uma palha
Andar um pouco
Pra fazê o quilo
É dureza, João...
É dureza, João...
O mestre falô
Que hoje não tem vale, não
Ele se esqueceu
Que lá em casa num só eu...


Sete da madruga e os caras já estão na labuta pesada, muitos tomando a primeira cachaça para afastar a fome e espantar os fantasmas da dura realidade. Às onze, a batida do enxadão anuncia a hora de conferir a marmita preparada na noite anterior pela mulher, que terá sua memória celebrada no sabor e na cor do feijão. Claro, se houver mulher, se houver feijão.
Em Torresmo à Milanesa, entretidos com suas marmitas, os peões conversam acaloradamente sobre coisas que não entendem nada. O torresmo colocado na marmita de Dito, provável Benedito, evidencia mais um traço da cultura nordestina que ajuda a construir São Paulo. O colega Beleza, por sua vez, deve ter recebido a alcunha em virtude de seus atributos físicos, ou à falta de virtude destes.
Além de cantar São Paulo, assim como na maioria de suas composições, Adoniran traz, em Torresmo à Milanesa, uma das características mais marcantes de sua obra: rir da própria desgraça, aproveitar a miséria para fazer humor.
Em 1980, Adoniran incluiria a canção em seu último disco, “Adoniran Barbosa e Convidados”. A capa, a cargo de Elifas Andreato, traria, inicialmente, o desenho de um palhaço triste. O pessoal da gravadora não gostou e convenceu Elifas a refazê-la, sob o argumento de que talvez “Adoniran não entenderia esse negócio de palhaço”. O disco foi lançado com um belo retrato do compositor. O desenho do palhaço foi parar nas mãos de Fernando Faro, amigo de Adoniran e produtor do LP. Ao se deparar com sua própria figura transformada num palhaço chorando, nas mãos do amigo, Adoniran telefonou para Elifas: “Sou esse palhaço triste aqui, não esse alemão que você colocou no disco!”.
Torresmo à Milanesa foi feito pelo palhaço triste e não por qualquer outro Adoniran que vagasse pelas ruas de São Paulo. Este samba foi composto com Carlinhos Vergueiro, em meia hora, de pé, sem instrumentos, no balcão do antigo bar "Mutamba", na R. Major Quedinho, lugar muito frequentado por artistas, jornalistas e boêmios, pois ficava ao lado da Rádio e do estúdio Eldorado.
Chegando em casa, precavido, Carlinhos Vergueiro registrou o samba numa fita e, algum tempo depois, levou-a à casa do novo parceiro para os ajustes finais. O principal ajuste foi na marmita do Beleza. Perguntado por Dito sobre o conteúdo de sua bóia, este responderia: “Arroz com feijão e um bife à milanesa”.
Nesse momento, Adoniran pediu ao parceiro:
- Carlinhos, desculpe, vamo voltá a fitinha, canta torresmo à milanesa....
- Mas por que Adoniran?
- Porque não existe.
Este é o palhaço, que prefere o imaginário ao real. E assim, o verso ficaria “arroz com feijão e torresmo à milanesa”.
Carlinhos retomou o violão, voltou a fita e tornou a cantar o samba, para conferir se a nova letra funcionava.
Mas parece que Adoniran queria que Beleza sentisse fome. Ao chegar naquele pedaço, ele interrompeu novamente o parceiro:
- Desculpa Carlinhos, vamo voltá mais uma vez, canta só “um torresmo”...
- Mas por que Adoniran?
- Porque é mais triste!...
Por isso, os palhaços choram...

Fontes:
- http://vejasaopaulo.abril.com.br/entrevistas/m0117294.html
- papo de buteco com o amigo Mário Mammana, amigo de Fernando Faro, profundo conhecedor dos sambas e histórias de Adoniran, amante de cerveja e comedor torresmo, entre outras coisas.

quinta-feira, 24 de maio de 2007

Chico Mineiro

(1946)
Tonico e Francisco Ribeiro

Cada vez que me "alembro" do amigo Chico Mineiro, das viagens que eu fazia era ele meu companheiro. Sinto uma tristeza, uma vontade de chorar, se "alembrando" daqueles tempos que não há mais de voltar. Apesar de ser patrão, eu tinha no coração o amigo Chico Mineiro, caboclo bom e decidido, na viola delorido e era peão dos boiadeiros. Hoje porém com tristeza recordando das proezas das viagens e motins, viajamos mais de dez anos, vendendo boiada e comprando, por esse rincão sem-fim.
Mas porém, chegou o dia que o Chico apartou-se de mim.

Fizemos a última viagem
Foi lá pro sertão de Goiás.
Foi eu e o Chico Mineiro
também foi um capataz.
Viajemo muitos dia
pra chegar em Ouro Fino
aonde nós passemo a noite
numa festa do Divino.
A festa estava tão boa
mas antes não tivesse ido
o Chico foi baleado
por um homem desconhecido.
Larguei de comprar boiada.
Mataram meu companheiro.
Acabou-se o som da viola,
acabou-se o Chico Mineiro.
Depois daquela tragédia
fiquei mais aborrecido.
Não sabia da nossa amizade
porque nós dois era unido.
Quando vi seus documento
me cortou o coração
de sabê que o Chico Mineiro
era meu legítimo irmão.


Por trás de grandes canções, normalmente, há uma parceria. Mas por trás de uma parceria, sempre há uma grande amizade.
Chico Buarque, que traz no rol de parceiros Tom Jobim, Edu Lobo, Toquinho, Francis Hime, Vinícius de Moraes, Fagner, Ivan Lins, Milton Nascimento, Gilberto Gil e Caetano Veloso garante: são todos seus amigos. Se não fossem não seriam seus parceiros. Não dá para fazer uma canção em conjunto sem ter um certo grau de intimidade e afinidade com o parceiro.
Vinícius de Moraes exigia fidelidade matrimonial de seus parceiros, certamente, com mais afinco do que o fazia em seus matrimônios.
Os parceiros “Carlos”, Roberto e Erasmo, chegavam a compor juntos ou separadamente, sem abrir mão de registrar as canções como sendo de autoria da dupla.
Por falar em dupla, no campo da música sertaneja, a coisa é um pouco diferente. Não existe Alvarenga sem Ranchino, Tião Carreiro sem Pardinho, Milionário sem José Rico, Tinoco sem Tonico, mas, na maioria dos casos, apenas um lado da moeda se encarrega das composições, buscando parceria em outra freguesia.
No caso de Tonico e Tinoco, por exemplo, é Tonico que assina com outros parceiros a maioria das composições da dupla, que é uma das mais longevas da música brasileira. Cantaram 50 anos juntos, de 1944 a 1994, quando Tinoco fez sua última viagem para um sertão mais longínquo que Goiás.
A música que levou a dupla a alçar vôos mais altos foi Chico Mineiro, de Tonico e Francisco Ribeiro. Tonico ouvia, desde criança, seu pai contar a “lenda” do Chico Mineiro. Alguns dizem que o apelido de Chico mudava de acordo com o Estado onde a lenda era contada. Podia ser Chico Mineiro, Goiano, Paulista...
No início da carreira, fizeram uma apresentação na Rádio Tupi e, na saída, o porteiro, que havia ouvido o programa e era, provavelmente, oriundo de algum sertão do Brasil, perguntou a Tonico se ele conhecia a história do Chico Mineiro. Os causos contados pelo pai se reacenderam na memória e, misturados ao som da viola, levaram-no a compor, sozinho, a canção.
Um fato curioso é que, quando foram gravá-la, a gravadora informou aos sertanejos que este seria seu último disco, pois os ouvintes reclamavam que não entendiam a sua pronúncia caipira do interior de São Paulo.
O leitor atento deve agora se perguntar: se Tonico compôs Chico Mineiro sozinho, quem é Francisco Ribeiro, que recebe em parceria os créditos da canção?
Trata-se do porteiro da TV Tupi, que fez com que o compositor se lembrasse da lenda do Chico Mineiro. Como prova de amizade e gratidão, Tonico deu-lhe a parceria.
Afinal, parceiro não precisa nem ser parceiro, mas tem que ser amigo.

Fontes:
Ranato Vivacqua -Música Popular Brasileira - Cantos e Encantos
http://www.widesoft.com.br/users/pcastro2/biograf.htm

domingo, 13 de maio de 2007

As Vitrines

Chico Buarque - 1982

Eu te vejo sair por aí
Te avisei que a cidade era um vão
-Dá tua mão
-Olha pra mim
-Não faz assim
-Não vai lá não

Os letreiros a te colorir
Embaraçam a minha visão
Eu te vi suspirar de aflição
E sair da sessão, frouxa de rir

Já te vejo brincando, gostando de ser
Tua sombra a se multiplicar
Nos teus olhos também posso ver
As vitrines te vendo passar

Na galeria
Cada clarão
É como um dia depois de outro dia
Abrindo um salão
Passas em exposição
Passas sem ver teu vigia
Catando a poesia
Que entornas no chão

1981 © - Marola Edições Musicais Ltda.
Todos os direitos reservados
Direitos de Execução Pública controlados pelo ECAD (AMAR) Internacional Copyright Secured


As Vitrines é a primeira faixa do LP Almanaque, de Chico Buarque.
O bolachão imita, em seu encarte, um almanaque de verdade, com o calendário de 1982 estampado de um lado, indicando o santo correspondente a cada dia do ano e, de outro, um horóscopo rodeado por pensamentos emoldurados, extraídos das letras das músicas do disco.
Na parte interna, o anúncio: “MAGAZINE ANNUAL ILUSTRADO. Anecdotas, Caricaturas, Informações, Charadas, etc.” Jogos, charadas e brincadeiras são assinados por Chico Buarque e Elifas Andreato, este também responsável por criação, pesquisa, edição e artes da capa.
Além da ficha técnica, várias ilustrações, fotos da gravação em estúdio imitando histórias em quadrinhos, brincadeiras e curiosidades:
10.09.82 comemoração do segundo aniversário do monumental Centro Recreativo Vinícius de Moraes. Como ponto máximo da festa, o sensacional embate entre o Politheama X Namorados da Noite, que contarão com suas forças máximas”.
Para quem não sabe, Politheama é o time do Chico, e Namorados da Noite, do Toquinho.
Voltando ao encarte. Para cada música, há uma brincadeira ou ilustração diferentes.
Na canção Ela é Dançarina, por exemplo, que traz o subtítulo eu quero dormir e ela precisa dançar, acima da letra, há um jogo de palavras cruzadas que traz, no esqueleto, as palavras “funcionário”, na vertical, e "dançarina", na horizontal.
Na verdade, Adelaide, a mãe do Julinho, pseudônimo criado pelo autor para driblar a censura, já criava palavras cruzadas para o Jornal do Brasil.
Fato é que não somente as cruzadas, mas os jogos com as palavras, em geral, sempre encantaram o compositor. Quando estava exilado em Roma, Chico Buarque tornou-se correspondente do Pasquim. Jaguar narra o episódio:
“Quando Chico era nosso homem na Itália toda semana a gente publicava matéria dele. Era um correspondente aplicado. (...)
Agora... Liguei para ele pedindo para escrever alguma coisa para o primeiro número do Pasquim paulista. "Minha agenda estourou. Tô enlouquecido, ensaiando o show com Bethânia para o dia 2 em Paris." "Pô, Chico, tremenda sacanagem nos deixar na mão!" "Fazer matéria nem pensar, mas se vocês quiserem um palíndromo..." Palíndromo, como talvez só o Houaiss saiba, é uma frase que significa literalmente o mesmo, seja lida de cá pra lá, como de lá pra cá, da direita para a esquerda. "Levei 5 horas fazendo", disse Chico. "Insônia." Era pegar ou largar. Peguei. (...).” (Jaguar).
Eis o palíndromo: “Até Reagan sibarita tira bisnaga ereta
Mas este texto se propunha, ou se propõe, a dizer algo sobre a canção As Vitrines, esquecida lá no primeiro parágrafo.
No encarte do disco Almanaque, a letra de As Vitrines aparece dividida em quatro quadrantes, espelhada, dando a idéia de que seu teor se reproduz, a exemplo da personagem da canção, com “sua sombra a se multiplicar”, a iludir e encantar o leitor, admirador, ou poeta, “catando a poesia" que entorna no chão.
No primeiro quadrante está a letra original. Abaixo, a mesma letra, de ponta cabeça.
À direita, refletida, a letra segue seu caminho normal: “Eu te vejo sair por aí/ Te avisei que a cidade era um vão/ Dá tua mão/ Olha pra mim/ Não faz assim/-Não vai lá não”. Na estrofe seguinte, quando o leitor desatento do Almanaque espera ler os versos que ouviu, “Os letreiros a te colorir”, o poeta almanaqueiro surpreende e avisa: “Ler os letreiros aí troco”,
E passa, de fato, a trocar os versos originais por outros.Embaçam a visão marinha/Vi tuas fúrias e predileção/Errar sisuda, sã fora de eixos”.
Para quem elabora palavras cruzadas e faz palíndromos nos momentos de insônia, bolar anagramas não é das tarefas mais difíceis. Anagramas são palavras diferentes que possuem as mesmas letras, como Iracema e América.
A versão espelhada de “As Vitrines é inteira composta com anagramas dos versos da letra original!
“Abrindo um salão” se transforma em “um absalão rindo”.
Outra letra. As mesmas letras!
Confira...

As Vitrines////As Vitrines

Eu te vejo sair por aí////Eu te vejo sair por aí
Te avisei que a cidade era um vão//Te avisei que a cidade era um vão
-Dá tua mão////-Dá tua mão
-Olha pra mim////-Olha pra mim
-Não faz assim////-Não faz assim
-Não vai lá não////-Não vai lá não
Os letreiros a te colorir///Ler os letreiros aí troco
Embaraçam a minha visão////Embaçam a visão marinha
Eu te vi suspirar de aflição//Vi tuas fúrias e predileção
E sair da sessão, frouxa de rir//Errar sisuda, sã fora de eixos
Já te vejo brincando, gostando de ser//Doce vento, grandes beijos do jantar
Tua sombra a se multiplicar////Um militar saber tuas polcas
Nos teus olhos também posso ver//Bem postos meus versos antolhos
As vitrines te vendo passar////Patinavas, sorvetes, diners
a galeria////Na alegria
Cada clarão////A cara do clã
É como um dia depois de outro dia///Um doutor doido me cedia poesia
Abrindo um salão////Um absalão rindo
Passas em exposição//Pião, sexo, asa, espaço
Passas sem ver teu vigia//És súpita virgem avessa
Catando a poesia////A asteca do piano
Que entornas no chão///Quão sonha no center

Fontes: - Entrevista de Julinho de Adelaide a Mário Prata no jornal Última Hora - 07 e 08/09/74
-
Pasquim São Paulo Ano XVIII, número 13, a 10 de julho de 1986

P.S.: Depois de escrever esta crônica, o autor também se tornou um adicto em palíndromos. Pura falta de inspiração. Ou insônia. Se o Jaguar quiser, é pegar ou largar:
“Lá é retrô, fiel à lei forte real”
“Ata, berra, arrebata.”
“A labareda Nader abala”

quinta-feira, 3 de maio de 2007

Meio-de-campo

Gilberto Gil
1973

Prezado amigo Afonsinho
Eu continuo aqui mesmo
Aperfeiçoando o imperfeito
Dando um tempo, dando um jeito
Desprezando a perfeição
Que a perfeição é uma meta
Defendida pelo goleiro
Que joga na seleção
E eu não sou Pelé nem nada
Se muito for, eu sou um Tostão.
Fazer um gol nessa partida não é fácil, meu irmão.


Mestre em aperfeiçoar o imperfeito, defensor da liberdade e proclamado inimigo da escravidão, Gilberto Gil prestou nesta canção justa homenagem ao ex-jogador Afonsinho.
Desde de 2001, os jogadores profissionais de futebol não estão mais acorrentados aos seus clubes pela Lei do Passe e devem isso ao ex-meia do Botafogo e hoje médico, Afonso Celso Garcia Reis, o Afonsinho.
Assim como Gil, Afonsinho tinha convicções libertárias e foi o primeiro jogador profissional a conseguir, na Justiça, o passe livre.
É verdade que os jogadores não estão mais presos aos seus clubes, mas, em alguns casos, ainda são explorados por empresários gananciosos, mas o poeta alerta, era necessário desprezar a perfeição.
Tudo começou no final dos anos sessenta, quando Afonsinho, dando um tempo do barbeiro, cultivou bela barba e cabelo, desprezando a perfeição estética adequada à conduta de bom moço e meio-campista, exigida pelo então treinador do Botafogo, Mário Jorge Lobo Zagallo.
Que o Velho Lobo nunca foi Pelé nem nada não é novidade para ninguém, mas o fato é que o treinador proibiu a entrada de Afonsinho no clube, ou, pelo menos, de sua barba e vasta cabeleira.
Acorrentado, ofendido em sua dignidade, Afonsinho conseguiu na Justiça o direito de manter a barba e continuar jogando futebol, obtendo o passe livre. Era o início do fim da escravidão no futebol.
Hoje, com pouco cabelo, quase esquecido e ainda barbudo, Afonsinho pode se considerar um vitorioso em sua luta abolicionista, mas carrega a certeza de ter feito pelo futebol tanto quanto um Pelé ou um Tostão.
Este foi, sem dúvida, o gol mais importante de sua carreira. E olha que fazer um gol nessa partida não é fácil, meu irmão.

segunda-feira, 23 de abril de 2007

O Filho Que Eu Quero Ter

Toquinho/Vinícius de Moraes

É comum a gente sonhar, eu sei
Quando vem o entardecer
Pois eu também dei de sonhar
Um sonho lindo de morrer
Vejo um berço e nele eu me debruçar
Com o pranto a me correr
E assim, chorando, acalentar
O filho que eu quero ter
Dorme, meu pequenininho
Dorme que a noite já vem
Teu pai está muito sozinho
De tanto amor que ele tem

De repente o vejo se transformar
Num menino igual a mim
Que vem correndo me beijar
Quando eu chegar lá de onde vim
Um menino sempre a me perguntar
Um porquê que não tem fim
Um filho a quem só queira bem
E a quem só diga que sim
Dorme, menino levado
Dorme que a vida já vem
Teu pai está muito cansado
De tanta dor que ele tem

Quando a vida enfim me quiser levar
Pelo tanto que me deu
Sentir-lhe a barba me roçar
No derradeiro beijo seu
E ao sentir também sua mão vedar
Meu olhar dos olhos seus
Ouvir-lhe a voz a me embalar
Num acalanto de adeus
Dorme, meu pai, sem cuidado
Dorme que ao entardecer
Teu filho sonha acordado
Com o filho que ele quer ter


Pode até ser que Toquinho tenha sido alertado pela célebre frase de Brás Cubas, personagem de Machado de Assis: “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria".
O fato, porém, é que não lhe deu ouvidos e, numa bela tarde, na praia de Boa Viagem, no Recife, contou a Vinícius sobre seu desejo de ter um filho. Experiente no assunto, o poeta respondeu algo como “Vai nessa! Dá trabalho, mas é muito bom.”
E Toquinho foi além. Mostrou-lhe uma melodia que havia composto inspirado naquele desejo, com uma levada típica de cantigas de ninar. Foi à praia e deixou o parceiro a embalar a música recém-composta.
Ao voltar, encontrou Vinícius aos prantos, com a letra pronta.
Toquinho costuma dizer que a vontade de ter filho era sua, mas Vinícius fez a letra pensando muito mais em si. O homem encantado com o sonho de ter um filho, vê-lo crescer e, ao final, em seu leito de morte, ser por ele embalado com a mesma canção com que o fazia ninar, embevecido por vê-lo reproduzir seu sonho de também ter um filho.
A canção foi lançada por Chico Buarque, no disco Sinal Fechado, em 1974. No ano seguinte, os autores incluem a canção no disco Vinicius de Moraes e Toquinho, da Philips, com direção e produção de Fernando Faro e capa do grande artista plástico e companheiro de futebol de Toquinho, Elifas Andreato.
Elifas, na época com aproximadamente 28 anos, não queria ter filhos, pois tinha alguns problemas de relacionamento com seu pai, mas confessa que esta canção mudou seu jeito de pensar.
Dois anos depois, nasceu Bento e o novo pai coruja foi contar a novidade para Vinícius, que respondeu apenas:
- Que bom! Só assim você poderá entender seu pai...

Fonte: “Impressões”, Elifas Andreato, Ed. Globo
CD Toquinho Exclusivo: Ensinando a Viver

terça-feira, 17 de abril de 2007

Gota d'Água

Chico Buarque/1975

Já lhe dei meu corpo, minha alegria
Já estanquei meu sangue quando fervia
Olha a voz que me resta
Olha a veia que salta
Olha a gota que falta pro desfecho da festa
Por favor
Deixe em paz meu coração
Que ele é um pote até aqui de mágoa
E qualquer desatenção, faça não
Pode ser a gota d'água
1975 © by Cara Nova Editora Musical Ltda.

A canção foi escrita para a peça.
A canção é só de Chico Buarque e a peça tem a co-autoria Paulo Pontes. Toda escrita em versos, o texto é uma adaptação da tragédia grega Medéia, de Eurípedes.
Inspirados numa idéia de Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, os autores transportam a tragédia da Grécia para a Vila do Meio-Dia, conjunto habitacional de propriedade do onipotente Creonte, onde os mutuários quanto mais pagam, mais devem.
Interpretada por Bibi Ferreira, à época mulher de Paulo Pontes, Joana, a nossa Medéia, é abandonada por Jasão, compositor do grande samba“Gota d'Água”, sucesso nacional.
O samba de Jasão traduz o desamparo e o desespero da mulher abandonada:“Já lhe dei meu corpo, minha alegria”, (...) "olha a voz que me resta, olha a veia que salta”
Famoso, o compositor resolve se casar com Alma, filha de Creonte: “e qualquer desatenção, faça não! Pode ser a gota d'água!”. A tragédia está anunciada.
Para vingar-se, Joana compartilha com os filhos um bolo envenenado. Tragédia grega é assim, ainda que escrita na Tijuca.
No prefácio da peça, os autores analisam as mazelas da política econômica do Brasil de meados dos anos 70. Não bastasse a repressão militar, a política econômica começava a dar os primeiros sinais de sua agonia. Contudo, os autores ressaltam a voz que lhes resta, graças a alguns intelectuais que se insurgiam contra aquela falaciosa verdade neo-liberal, como por exemplo, a veia que salta de Antonio Cândido e o jovem professor da USP Fernando Henrique Cardoso, a gota que falta e o desfecho da festa.
Se Paulo Pontes fosse vivo, certamente os autores, hoje, editariam o prefácio, seguindo as orientações do ex-Presidente de que esquecessem o que ele ecreveu.
Voltando à canção, ou à peça...
Chico Buarque e Paulo Pontes foram contemplados com o Prêmio Molière. A cobertura da entrega seria feita em rede nacional pela TV Globo. Seria, porque houve cobertura, mas não houve entrega, pois os autores de recusaram a receber o prêmio.
Em entrevista concedida a Antônio Chrysóstomo, da Revista Veja, em 28/10/1976, Chico Buarque expõe seu pote até aqui de mágoa:
“CHICO — Muita gente disse: que atitude orgulhosa, antipática. Pois é, uma atitude antipática a gente tem de tomar de vez em quando. No caso, porque as pessoas se esqueceram de que, em 1975, quando "Gota d'Água" foi considerada a melhor peça, no mesmo ano, para citar só um caso, "Abajur Lilás", de Plínio Marcos, foi proibida. Neste mesmo ano, "Rasga Coração", de Oduvaldo Vianna Filho, teve abortada uma tentativa de encenação, também por ordem da Censura. Eu e Paulo Pontes conversamos e chegamos à conclusão de que seria pouco ético botar smoking e ir lá receber um prêmio que talvez nem fosse da gente. Se "Abajur Lilás" ou "Rasga Coração tivessem conseguido chegar ao público, portanto disputar aquele prêmio, será que nós teríamos sido os autores escolhidos? Por isso não fomos."
Isso foi o que ele disse ao repórter, mas poderia ter cantado:
- "Deixa em paz meu coração..."

quinta-feira, 5 de abril de 2007

Tonga da Mironga do Cabuletê

Toquinho e Vinicius de Moraes


Eu caio de bossa eu sou quem eu sou
Eu saio da fossa xingando em nagô
Você que ouve e não fala / Você que olha e não vê
Eu vou lhe dar uma pala / Você vai ter que aprender
A tonga da mironga do cabuletê
A tonga da mironga do cabuletê
A tonga da mironga do cabuletê
Você que lê e não sabe / Você que reza e não crê
Você que entra e não cabe / Você vai ter que viver
Na tonga da mironga do cabuletê
Na tonga da mironga do cabuletê
Na tonga da mironga do cabuletê
Você que fuma e não traga / E que não paga pra ver
Vou lhe rogar uma praga / Eu vou é mandar você
Pra tonga da mironga do cabuletê
Pra tonga da mironga do cabuletê
Pra tonga da mironga do cabuletê



1970.
Vinícius e Toquinho voltam da Itália onde haviam acabado de inaugurar a parceria com o disco “A Arca de Noé”, fruto de um velho livro que o poetinha fizera para seu filho Pedro, quando este ainda era menino.
Encontram o Brasil em pleno “milagre econômico”. A censura em alta, a Bossa em baixa. Opositores ao regime pagando com a liberdade e a vida o preço de seus ideais. O poeta é visto como comunista pela cegueira militar e ultrapassado pela intelectualidade militante, que pejorativa e injustamente classifica sua música de easy music.
No teatro Castro Alves, em Salvador, é apresentada ao Brasil a nova parceria.
Vinícius está casado com a atriz baiana Gesse Gessy, uma das maiores paixões de sua vida, que o aproximaria do candomblé, apresentando-o à Mãe Menininha do Gantois. Sentindo a angústia do companheiro, Gesse o diverte, ensinando-lhe xingamentos em Nagô, entre eles “tonga da mironga do cabuletê”, que significa “o pêlo do cu da mãe”.
O mote anal e seu sentimento em relação aos homens de verde oliva inspiram o poeta. Com Toquinho, Vinícius compõe a canção para apresentá-la no Teatro Castro Alves.
Era a oportunidade de xingar os militares sem que eles compreendessem a ofensa.
E o poeta ainda se divertia com tudo isso: “Te garanto que na Escola Superior de Guerra não tem um milico que saiba falar nagô”.

Fonte: Vinicius de Moraes: o Poeta da Paixão; uma Biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

terça-feira, 20 de março de 2007

Positivismo

(Noel Rosa/Orestes Barbosa)

A verdade, meu amor, mora num poço
É Pilatos, lá na Bíblia, quem nos diz
E também faleceu por ter pescoço
O (infeliz) autor da guilhotina de Paris

Vai, orgulhosa, querida
Mas aceita esta lição:
No câmbio incerto da vida
A libra sempre é o coração

O amor vem por princípio, a ordem por base,
O progresso é que deve vir por fim.
Desprezaste esta lei de Augusto Comte
E foste ser feliz longe de mim

Vai, coração que não vibra
Com teu juro exorbitante
Transformar mais outra libra
Em dívida flutuante

A intriga nasce num café pequeno
Que se toma para ver quem vai pagar.
Para não sentir mais o teu veneno
Foi que eu já resolvi me envenenar!


Trata-se de uma parceria de dois dos maiores letristas da música brasileira. Noel era o aclamado Poeta da Vila, Filósofo do Samba. Orestes, autor do mais belo verso da língua portuguesa, segundo ninguém menos que Manoel Bandeira: “E tu pisavas nos astros distraída”, da canção “Chão de Estrelas”
Eram amigos, boêmios e colegas de mesa no Café Nice, num tempo em que o Brasil abandonara – pelo menos na política – o café com leite e vivia os primeiros anos da Nova República Getulista.
O Positivismo é uma corrente filosófica, que teve no francês Augusto Comte (1798 – 1857) seu principal idealizador e serviu de base para fundamentar a Proclamação da República.
Seu lema: O Amor por princípio,a Ordem por base,o Progresso por fim.
No lábaro estrelado que ostenta a Mãe Gentil, porém, o amor, primeira estrela do lema Comtiano, ficou de fora. Está lá, manca, a bandeira, a bradar insensível: “Ordem e Progresso”.
A ausência do amor tocou fundo o coração de nossos poetas, que resolveram desfraldar o progresso enaltecido pelo positivismo, expondo nossa crescente dívida externa e seus juros exorbitantes.
Mas se o amor ficou fora da bandeira, não poderia ser excluído da canção, também.
Daí que, em Positivismo, as agruras da economia brasileira são comparadas às de uma mulher que, também se esquecendo do amor, desprezou a tal lei de Augusto Comte e foi curtir sua felicidade em outros ares, talvez com alguma ordem e, certamente, com muito progresso.
Como disse acima, Noel e Orestes Barbosa eram colegas de mesa no Café Nice, boêmios e amigos, mas este samba quase pôs fim a esta amizade.
Contam João Máximo e Carlos Didier, autores de “Noel Rosa, uma biografia”, que o autor de “Chão de Estrelas” entregou ao Poeta da Vila quatro estrofes para que este musicasse. Noel anotou a letra, caiu no mundo e não deu notícias. Continuou compondo seus sambas, aparecendo em programas de rádios e tomando todas no Café Nice, até que um dia chegou aos seus ouvidos que Orestes Barbosa estaria receoso que ele tivesse se “apossado” da letra.
Se havia alguém que não precisava disso era Noel, que ficou magoado com as suspeitas do amigo e resolveu acrescentar mais uma estrofe: “A intriga nasce num café pequeno/Que se toma para ver quem vai pagar/Para não sentir mais o teu veneno/Foi que eu já resolvi me envenenar”.

Fonte: Noel Rosa, uma biografia. Brasília: UnB, 1990.

terça-feira, 13 de março de 2007

Fiz por você o que pude

(Cartola)

"Todo o tempo que eu viver
Só me fascina você, Mangueira
Guerreei na juventude
Fiz por você o que pude, Mangueira
Continuam nossas lutas
Podam-se os galhos, colhem-se as frutas
E outra vez se semeia
E no fim desse labor
Surge outro compositor
Com o mesmo sangue na veia

Sonhava desde menino
Tinha o desejo felino
De contar toda a tua história
Este sonho realizei
Um dia a lira empunhei
E cantei todas tuas glórias
Perdoa-me a comparação
Mas fiz uma transfusão
Eis que Jesus me 'premeia'
Surge outro compositor
Jovem de grande valor
Com o mesmo sangue na veia."


Mais um samba majestoso de Cartola.
Fundador da Mangueira, Mestre Cartola, no alto de sua majestade, expõe, em "Fiz por você o que pude", duas de suas fraquezas: o amor pela Estação Primeira, de onde Cartola andara afastado por uns tempos, e sua preocupação em fazer um sucessor, em manter viva sua linhagem no samba. Tão nobre, tão popular.
Esta canção teria sido dedicada a Nelson Sargento, filho adotivo de Alfredo Português, também fundador da Mangueira, pai e filho parceiros de Cartola.
Com visão de um verdadeiro estrategista, Sua Majestade via em Sargento, potencial para se tornar seu príncipe herdeiro. Afinal, tinha lhe ensinado os primeiros acordes do violão, quando Sargento tinha 12 anos e ainda galgava as primeiras patentes.
E o Mestre tinha razão. “Surge outro compositor com mesmo sangue na veia”. Anos depois, Neslon Sargento tranqüilizaria Cartola, ao proclamar que “o samba agoniza, mas não morre”.
Quem contou a Nelson, porém, que "Fiz por você o que pude" era dedicada a ele foi Dona Zica, a Primeira Dama da Nação Verde e Rosa.
Cartola já tinha partido, mas emocionado, em resposta, o aluno agradece o Mestre com um lindo samba, cuja letra reproduzo aqui:

"Que o amigo citou com o mesmo sangue na veia
Semente do mesmo galho
A prosseguir o trabalho que o próprio
Vento semeia
Oh! Mestre pode deixar
Não vou lhe desapontar
Jurarei perante a ti
Eu guardarei com fervor
Conservarei com ardor
O que contigo aprendi
Esta Mangueira que amas de coração
E canta com emoção
Em também cantarei
Quero conquistar-lhe novas glórias
E brasões
E suas tradições
Eu juro conservarei
Glorificando o labor
Se eu for valor
Ficarei na mesma teia
Prosseguirei trabalhando
Colhendo sementes e plantando
Com o mesmo sangue na veia"

O que há de mais curioso, contudo, em "Fiz por Você o que pude" não é isso, mas a evidência da humildade de Sua Majestade.
Quando o samba foi lançado, alguns críticos, súditos infiéis, incomodados com as conquistas do samba de Cartola mundo afora, logo apontaram o dedo para um “erro” de português que saltava aos olhos: “Eis que Jesus me premeia”.
É impressionante como algumas pessoas – e essa me parece uma característica típica dos críticos de arte – tem a capacidade de apontar a lua e só enxergar o próprio dedo.
Pronto. Estava demonstrado que, apesar se sua aparente erudição, Mestre Cartola, por sua origem muito humilde e sua formação acadêmica frágil – estudou, apenas, até a quarta série do primário - não dominava os segredos da língua.
E cá entre nós, “premeia” é jogo duro, mesmo.
Ao ouvir as críticas, Sua Majestade ficou cabisbaixa e passou até a evitar de cantar o samba, mas entre amigos, confessou a razão de seu equívoco. No momento da composição, ficou em dúvida, mas leu, nos sermões de Padre Antônio Vieira: 'Assim castiga, ou premeia Deus'.
De fato, Cartola, monarca do samba, poderia até ser acusado de plagiar Padre Vieira, mas não de ignorância. Afinal, em arte popular, a majestade também se faz na humildade.

Fonte: www.nelsonsargento.com.br

sexta-feira, 9 de março de 2007

Passaredo

(Francis Hime/Chico Buarque)
Ei, pintassilgo
Oi, pintarroxo
Melro, uirapuru
Ai, chega-e-vira
Engole-vento
Saíra, inhambu
Foge, asa-branca
Vai, patativa
Tordo, tuju, tuim
Xô, tié-sangue
Xô, tié-fogo
Xô, rouxinol sem fim
Some, coleiro
Anda, trigueiro
Te esconde, colibri
Voa, macuco
Voa, viúva
Utiariti
Bico calado
Toma cuidado
Que o homem vem aí
O homem vem aí
O homem vem aí
Ei, quero-quero
Oi, tico-tico
Anum, pardal, chapim
Xô, cotovia
Xô, ave-fria
Xô, pescador-martim
Some, rolinha
Anda, andorinha
Te esconde, bem-te-vi
Voa, bicudo
Voa, sanhaço
Vai, juriti
Bico calado
Muito cuidado
Que o homem vem aí
O homem vem aí
O homem vem aí

Crêem os crédulos que por trás de toda letra de música existe uma história mirabolante, um grande amor, uma desilusão vivida pelo compositor, sendo incontáveis as lendas que surgem, neste sentido, na história da Música Popular Brasileira.
Tal crendice, muitas vezes, toma proporções perigosas ou, no mínimo, indesejáveis ao compositor, que, por força de uma letra, vê seu nome em colunas sociais ou mesmo páginas policiais, que lhe atribuem intenções que não teve.
Tomam por declarações pessoais letras que são meros frutos da criatividade do poeta, sem qualquer pretensão política, filosófica ou amorosa, como querem crer os crédulos. Foi assim que Chico Buarque namorou Rita, Carolina, Rosa, Cristina, entre tantas outras.
Com "Passaredo" não foi diferente. Lá estava o poeta, enciclopédia à mão, caçando pássaros para compor a canção que lhe fora encomendada para integrar a trilha sonora do filme "A Noiva da Cidade", de Alex Viany. Depois, o "Passaredo" alçou vôos mais altos e emprestou seu canto à trilha do programa "Sítio do Pica-pau Amarelo", da TV Globo.
Famintos por visibilidade, alguns urubus de plantão logo quiseram vincular Chico Buarque à tão nobre causa ecológica. Profundo conhecedor desta espécie de urubus, quando indagado se havia aderido a algum movimento ecológico, o compositor, irônico, foi categórico: "eu não entendo nada de bicho. Aliás, eu não gosto de bicho. Pra falar a verdade, eu detesto bicho".
Como se vê, o urubu não foi um dos pássaros homenageados em "Passaredo" .
Fonte: Humberto Werneck in Chico Buarque Letra e Música, Cia da Letras, 1989.

quinta-feira, 1 de março de 2007

E no entanto é preciso cantar

Em 2005, escrevi com o grande amigo, parceiro de trabalho, lamúrias e filosofias de botequim, Daniel Benevides, um texto para a revista Teoria e Debate sobre a música de protesto.
O título foi "tirado" da "Marcha da Quarta-Feira de Cinzas", de Vinícius e Carlos Lyra, transcrita abaixo.


Marcha da Quarta-feira de Cinzas
(Carlos Lyra e Vinícios de Moraes)

Acabou nosso carnaval, ninguém, ouve cantar canções
Ninguém passa mais brincando feliz
E nos corações saudades e cinzas foi o que restou
Pelas ruas o que se vê é uma gente que nem se vê
Que nem se sorri, se beija e se abraça
E sai caminhando, dançando e cantando cantigas de amor
E no entanto é preciso cantar
Mais que nunca é preciso cantar
É preciso cantar e alegrar a cidade
A tristeza que a gente tem qualquer dia vai se acabar
Todos vão sorrir, voltou a esperança
É o povo que dança, contente da vida feliz a cantar
Porque são tão tantas coisas azuis, há tão grandes promessas de luz
Tanto amor para amar que a gente nem sabe
Quem me dera viver pra ver e brincar outros carnavais
Que marchas tão lindas
E o povo cantando seu canto de paz


E no entanto é preciso cantar

Luís Pini Nader e Daniel Benevides

“E muito mais é preciso não deixar
Que amanhã por amor possas esquecer
que quem manda na terra tudo quer
e nem o que é teu bem vai querer dar
por bem não vai não vai”
Canção da Terra

(Edu Lobo / Ruy Guerra) - 1964

Não dá para falar em música de protesto sem mencionar a bossa nova. Engana-se, contudo, quem pensa que a transição de seus “protestos de amor” para a canção engajada teve apenas motivações políticas.
O apartamento de Nara Leão vivia repleto de músicos: Ronaldo Bôscoli, Carlos Lyra, Roberto Menescal e, mais eventualmente, Tom Jobim, Vinicius de Moraes e João Gilberto, que tinha dado o pontapé inicial de tudo isso com Chega de Saudade, em 1959.
Tudo isso é paz, tudo isso traz uma calma de verão. Ou melhor, nem tudo.
Carlos Lyra foi o que mais se destacou quando a bossa nova estourou. Por razões que não vêm ao caso, até porque incertas, Lyra rompeu com a turma, que passou a ter novo “líder”: o noivo da dona do apartamento, jornalista e, agora, ex-parceiro de Lyra, Ronaldo Bôscoli.
Paralelamente ao namoro com Nara, Bôscoli sempre nutrira seus casos. Numa excursão à Argentina com Maysa, sucumbiu aos olhos de ressaca da cantora. Para ele, o romance acabaria no Galeão e assim seria se Maysa não tivesse, na chegada ao aeroporto, convocado uma coletiva para anunciar seu noivado com o jornalista.
O apartamento de Nara rachou. Seu coração também. Agora ele não mais bateria a batida alienada da Bossa Nova, mas pulsaria no ritmo do samba de morro e outros ritmos mais afinados com outra realidade, bem mais distante da Avenida Atlântica.
Fechadas as feridas, Nara reaproximou-se de Carlos Lyra, "exilado” do apartamento e que, àquela altura dos acontecimentos, fazia shows no Centro Popular de Cultura (CPC) e já era parceiro de Vinicius de Moraes.
O amor, o sorriso e a flor se transformam depressa demais. Nara namorava, agora, o cineasta e compositor moçambicano Ruy Guerra, que também se encarregaria de promover seu engajamento político.
Curiosamente, a musa da bossa nova nunca tinha gravado um disco. Em 1963, Lyra e Vinicius convidam Nara a protagonizar a encenação da comédia musical que tinham acabado de fazer, Pobre Menina Rica. Nara faria o papel da própria. A peça contava a história do amor impossível entre o mendigo-poeta e a pobre menina rica. A beleza e o cunho sócio-político das composições eram inegáveis. A peça foi um fracasso estrondoso. A inexperiência de Nara nos palcos e sua timidez talvez tenham impedido que o espetáculo tivesse outra sorte.
Mas o tropeço não lhe abateu. Nara gravou, no mesmo ano, seu primeiro disco, com composições de sambistas do morro, mais especificamente, Zé Ketti, Cartola e Nelson Cavaquinho, e outros compositores ligados ao CPC/UNE, como Edu Lobo, Gianfrancesco Guarnieri, Ruy Guerra, além, claro, de Carlos Lyra e Vinicius. A roupagem ainda era de bossa nova, mas se até aqui era impossível ser feliz sozinho, a partir de agora era imprescindível que todos se unissem para denunciar as mazelas do povo brasileiro. Mais que nunca, era preciso cantar.
O nacionalismo apregoado pelo CPC/UNE era cantado aos quatro cantos.
A dissonância da bossa nova seria, agora, substituída por ritmos originalmente brasileiros, especialmente o samba e o baião. Era chegada a hora de mostrar ao mundo e à classe burguesa o morro e o sertão. O favelado e o sertanejo.

“Me pediram pra deixar de lado toda tristeza,
Pra só trazer alegrias e não falar de pobreza.
(...).
Não separo dor de amor.
Deixo claro que a firmeza do meu canto vem da certeza que tenho
De que o poder que cresce sobre a pobreza e faz dos fracos riqueza
Foi que me fez cantador.”
Terra Plana (Geraldo Vandré) - 1968

Se até aqui a canção engajada visava à promoção de valores nacionais e à construção de uma sociedade igualitária, com o golpe de 1º de abril passou a ter de enfrentar um inimigo concreto, de carne, osso e farda verde-oliva.
As entidades estudantis que até então promoviam a canção engajada passaram a ser controladas pelos militares ou, simplesmente, foram fechadas.
A surpreendente ausência de censura prévia nesse período possibilitava à esquerda continuar se valendo da música como palanque contra o regime militar, a desigualdade social, o capitalismo. A diferença é que agora o palco era palanque.
Iniciou-se, então, um circuito de shows freqüentados basicamente por estudantes, que acabou por consolidar esse gênero musical no mercado. Um dos primeiros desses shows, O Fino da Bossa, que estreara no Teatro Paramount de São Paulo, patrocinado pelo Centro Acadêmico XI de Agôsto, foi comprado pela TV Record e transformado num programa de auditório.
Comandado por Elis Regina e Jair Rodrigues, o programa é considerado o marco inicial da chamada Música Popular Brasileira. Ali, eram recebidos compositores e intérpretes, da nova e da velha geração, de forma a valorizar os ritmos nacionais.
Estava preparado o terreno para a chamada Era dos Festivais, que duraria de 1965 e 1969.
O II Festival de Música Popular Brasileira, patrocinado pela TV Record, com final em 10 de outubro de 1966, ilustra muito bem o clima vivido na época.
Jair Rodrigues defendia, com o Trio Maraiá e o Trio Novo, a música Disparada, de Geraldo Vandré e Theo de Barros. A canção era a preferida dos militantes de esquerda, do movimento estudantil e de quem mais tivesse aprendido a dizer não e ver a morte sem chorar. Nara Leão e Chico Buarque concorriam com A Banda, composição deste último. Apesar da “gente sofrida” e do “cada qual no seu canto e em cada canto uma dor” e de todo o duplo sentido contido nessa frase, sob o ponto de vista do protesto, A Banda era tão tímida quanto seu autor. Chico Buarque era visto na época como um compositor talentoso, que lembrava em suas composições o genial e saudoso Noel Rosa, mas era bem-nascido demais, bom moço demais, bonito demais.
O Brasil se dividiu. Parecia que as duas músicas não poderiam coexistir. Era como se fossem duas maneiras antagônicas de enxergar o mundo, a de Chico e a de Vandré. O resultado do festival foi conciliador: as músicas dividiram o primeiro lugar.
Conta, porém, o produtor Zuza Homem de Mello que "uma das músicas ganhou da outra, não houve empate". O nome da vencedora ele não revela, fiel a um compromisso assumido naquela noite com diretor da Record, Paulo Machado de Carvalho Filho – mas tudo leva a crer que tenha sido A Banda. Chico Buarque, portanto, teria cedido o empate, recusando-se a ser o único vencedor.
Essa divisão do público e o acirramento das posições somente se agravariam com o tempo.
Em 1968, no final da fase brasileira do III Festival Internacional da Canção, haveria uma reedição do “duelo” Chico Buarque x Geraldo Vandré, mas, dessa vez, os ânimos estariam muito mais acirrados.
Sabiá (Tom Jobim / Chico Buarque), interpretada por Cynara e Cybele, recebeu, em pleno Maracanãzinho, o prêmio de vencedora e uma das maiores vaias da história.
Geraldo Vandré, talvez por perceber que Sabiá era uma canção do exílio dos novos tempos, ainda que sem saber do exílio a que ele e muitos de seus companheiros seriam submetidos um ano depois, aceitou a derrota ao afirmar que “a vida não se resume a festivais”.
Porém, Vandré ironizava os que defendiam solução conciliadora. Em Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores (Geraldo Vandré), o recado é claro aos que fogem à responsabilidade de escrever a história com as próprias mãos: “Pelas ruas marchando indecisos cordões / Que ainda fazem da flor seu mais forte refrão / E acreditam nas flores vencendo o canhão /Vem vamos embora, que esperar não é saber / quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.
Vandré pregava claramente a luta armada contra a ditadura, entoando sua. Cantiga Brava : “O terreiro lá de casa / Não se varre com vassoura / Varre com ponta de sabre / Bala de metralhadora”.
Mas, se os músicos engajados questionavam o estilo das canções de Chico Buarque, sua própria forma de engajamento passaria a ser questionada por alguns que, até então, engrossavam suas fileiras, como Caetano Veloso e Gilberto Gil.

“Um poeta desfolha a bandeira
E a manhã tropical se inicia
Resplandente, cadente, fagueira
Num calor girassol com alegria
Na geléia geral brasileira
Que o Jornal do Brasil anuncia”.
Geléia Geral (Gilberto Gil) - 1968

No festival de 1967, Caetano Veloso ficaria em 4º lugar com a canção Alegria, Alegria, que desmistificava a necessidade de fazer a revolução ou uma canção de protesto para viver. A alusão a Para Não Dizer Que Não Falei das Flores, ou Caminhando, de Geraldo Vandré é evidente no início da música: “Caminhando contra o vento/Sem lenço, sem documento”. Era o protesto contra o protesto.
Gilberto Gil, acompanhado dos Mutantes e de suas guitarras elétricas, defendeu sua composição Domingo no Parque. Para Gil, vermelhos eram o sorvete e a rosa.
Tratava-se do embrião do tropicalismo. No mesmo ano, Caetano recebe uma das maiores vaias de todos os tempos, ao cantar, no auditório do Tuca, a sua É Proibido Proibir, em que criticava ao mesmo tempo o regime militar e o patrulhamento ideológico de esquerda.
Vaiado, Caetano proferiu um discurso que entrou para a história no qual provocava seus detratores afirmando que se eles soubessem de política o mesmo que sabiam de estética, o país estava perdido.
Em 1968, Caetano e Gil, acompanhados dos Mutantes, de Tom Zé, Gal Costa e (olha ela aí outra vez) Nara Leão, lançam o disco manifesto Tropicália ou Panis et Circenses.
A canção que dá nome ao disco aponta para a necessidade de criar um movimento que resgatasse o que o Brasil tinha produzido de melhor, mas apontasse para um cenário novo: “Eu organizo um movimento, / Eu oriento o carnaval / Eu inauguro um monumento no Palácio Central / Viva A Banda da da / Carmen Miranda da da da da”.
Segundo Caetano Veloso, em seu livro Verdades Tropicais, Geraldo Vandré teria chegado a tirar satisfações com ele, por causa da canção Baby, que seria uma canção alienada e contrária aos padrões nacionalistas, pois se utilizava, inclusive, de termos em inglês.
De fato, se para a esquerda camisetas deveriam trazer mensagens contra a ordem estabelecida, para os tropicalistas elas poderiam dizer, simplesmente “I Love Y♥U”.
Os tropicalistas não se viam na esquerda, nem na direita. Tampouco se consideravam conciliadores de centro. Estavam “acima”.

“Você corta um verso eu escrevo outro
Você me prende vivo eu escapo morto
De repente, olha eu de novo
Perturbando a paz e exigindo o troco”
Pesadelo (Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro) - 1972

13 de dezembro de 1968. Editado o Ato Institucional nº 5. Parece dezembro de um ano dourado.
O Congresso Nacional é fechado, os direitos políticos cassados e a censura prévia é institucionalizada.
Caetano e Gil são presos e exilados em Londres, onde seguem trilhando o caminho da radicalização estética. Geraldo Vandré é exilado no Chile. Hoje, renega sua obra.
Para os estudiosos, é o fim da canção de protesto, ou canção engajada.
Quando o cerco do regime militar se fechou sobre os músicos, a maioria daqueles que integraram o movimento organizado da “canção engajada” mudou de rumo.
Houve, porém, quem passasse a criticar o regime com maior veemência que antes. É o caso de Chico Buarque.
Em 1969, Chico Buarque foi “aconselhado” por amigos, durante excursão que fazia em Portugal, a não voltar para o Brasil. Não voltou. Na Itália,.compõe Agora Falando Sério. Na canção o compositor faz uma autocrítica, confessando-se farto do lirismo que o caracterizava até então e renegando duas de suas canções mais importantes, ou pelo menos, as que tiveram melhor sorte nos festivais: A Banda e Sabiá: “Dou um chute no lirismo / Um pega no cachorro / E um tiro no sabiá / Dou um fora no violino / Faço a mala e corro / Pra não ver banda passar”.
Diminuído anteriormente por seu lirismo exacerbado, Chico Buarque, agora, criticava duramente o regime. A ameaçadora Apesar de Você foi lançada em 1970. O compacto vendeu 100 mil cópias. Após o sucesso, os militares notaram que “você” eram “eles”, perceberam o “equívoco” que cometeram ao não censurar a canção. A gravadora foi invadida e todas as cópias destruídas. A música só foi regravada e lançada em LP em 1978.
O protesto agora tinha de driblar a censura. Mesmo calada a boca resta o peito.
De tanto ver suas músicas censuradas por vício de autoria, ou seja, apenas por levarem sua assinatura, Chico Buarque criou um heterônimo: Julinho da Adelaide. Foram três composições: Acorda, Amor (ou “Chama o Ladrão”), Jorge Maravilha e Milagre Brasileiro.
E deu certo. As duas primeiras foram aprovadas pela censura sem maiores problemas. Quando receberam Milagre Brasileiro, os censores perceberam a alusão direta à política econômica dos militares: “É o milagre brasileiro/Quanto mais trabalho/Menos vejo dinheiro”. Pediram para ver os documentos do compositor. Como Julinho da Adelaide nunca os enviou, a canção não foi liberada. Foi a morte de Julinho.
Antes, porém, Julinho chegou até a dar uma entrevista para o jornal Última Hora sobre sua carreira em ascensão. O jornalista e escritor Mário Prata o entrevistou em 1974, na casa dos pais de Chico Buarque, em São Paulo (leia trechos da entrevista no quadro).
Além de Chico, Paulo César Pinheiro, Aldir Blanc, Vítor Martins, Gonzaguinha, entre outros, seguiram bradando contra o regime por toda a década de 70.
Em entrevista ao jornal A Nova Democracia, Paulo César Pinheiro conta como conseguiu que a canção Pesadelo fosse gravada:
“Num determinado momento, a censura nem aceitava mais a letra escrita, queriam a gravação, porque na gravação poderia conter uma segunda intenção. Então eu disse: “Olha, eu vou fazer uma malandragem. Vou mandar essa música no meio de um bolo que a Odeon sempre manda. Era um período em que havia muito material para mandar. Tinha um disco do Agnaldo Timóteo, com aquelas canções derramadas, e outras coisas românticas. Pedi a um funcionário da casa que enfiasse Pesadelo no meio desses discos. Assim, a música veio liberada. E o MPB-4 a gravou”.

“Meu Deus vem olhar
Vem ver de perto uma cidade a cantar
A evolução da liberdade
Até o dia clarear”
Vai Passar (Chico Buarque) - 1984

Com a abertura política e o fim da censura, a música de protesto perdeu força tal como vinha sendo praticada. Mudou de cara – passando a assumir um rosto também social e voltado para as angústias existenciais do jovem urbano – e de endereço, indo morar nos bairros mais afastados de São Paulo, onde bandas como Ratos do Porão, Inocentes, Cólera e Olho Seco gritavam palavras de ordem contra o sistema sobre uma base urgente de duas, três notas. O movimento punk, ainda que importado da Inglaterra, fazia muito sentido para quem vivia na desesperança de concreto e fumaça da grande metrópole brasileira.
Curiosamente, a influência dos punks atingiu os rapazes bem-nascidos de Brasília, filhos de políticos e diplomatas que, no início dos 80, formaram bandas como Aborto Elétrico e Plebe Rude, e, logo depois, em clave mais “pop”, Legião Urbana, Capital Inicial e Paralamas do Sucesso. Estes, alguns anos mais tarde, amplificariam as angústias de Luiz Inácio sobre os 300 picaretas com anel de doutor, com quem tinha de conviver no Congresso Nacional Constituinte. Era uma vez, é ainda.
Mais que o punk, no entanto, foi o rap que incendiou a imaginação de jovens nas periferias do país, de Porto Alegre ao Recife, começando por São Paulo, onde Thaide e DJ Hum, N de Naldinho e Nelson Triunfo davam o tom da festa, nas baladas “atitude” da estação São Bento do metrô. Foi a poderosa semente de artistas e bandas, dentre tantos, como RZO, Z’África Brasil, Rappin’ Hood, Sabotage e o fenômeno Racionais MCs, talvez os maiores cronistas da dura realidade social, surgidos em meados dos anos 90. Em 1999 lançaram aquele que é apontado por alguns como o disco mais importante da história da música brasileira: Sobrevivendo no Inferno, que, mantendo seu caráter independente, atingiu a impressionante marca de um milhão de cópias vendidas.
No Rio surgia o pessoal da hemp family (O Rappa, Planet Hemp), que misturava o punk com reggae e rap, e adicionava boas doses de Bezerra da Silva, cantando “a real” dos morros cariocas, das drogas, da violência policial etc.
Desde então o rap – ou mais genericamente o hip-hop e suas muitas vertentes e misturas – ganhou centenas de milhares de adeptos e tornou-se, mais até do que música de protesto, ou música social, uma possibilidade real de se fazer ouvir e conquistar um espaço digno na sociedade.
Rap é compromisso, não é viagem. Às vezes paro e reparo, fico a pensar qual seria meu destino senão cantar.
“Eu vou rimando João, caetaneando o som,
que é pra dizer pro mundo inteiro
que somos irmão, preto ou branco
então é essa a questão”
Rap do Bom (Rappin’Hood) - 2001


Entrevista de Julinho de Adelaide

Mário Prata – (...) Eu soube que você está com três músicas novas.
Julinho da Adelaide - Três não, tenho muito mais que três, devo dizer isso. Não tenho culpa se as pessoas pedem sempre as mesmas. Em geral pedem Chama o Ladrão, Jorge Maravilha e O Milagre. Mas eu tenho muito mais músicas. Chama o Ladrão teve um problema com a Censura e O Milagre teve também. Eu queria, inclusive, aproveitar e dizer que eu não quero criar nenhum problema com a Censura, porque, através do Leonel, eu tenho um diálogo muito bom com eles, entende? O Leonel sendo meu procurador, me quebra todos os galhos em todos os sentidos.
MP – Qual a profissão do Leonel?
JA – Na carteira tá comerciário, mas ele não exerce a profissão não. Ele trabalha mais como meu procurador, tem boas relações e tal. Tem, inclusive, boas relações na polícia. Então, em relação à Censura, eu tenho esta posição: eu acho bobagem as pessoas falarem que a Censura prejudica, quando eu acho que o negócio de fazer samba, tem que se fazer muito samba. Eu faço muito samba, entende? Faço vários por dia, mesmo. O sujeito que trabalha lá, o trabalho dele é censurar música. Eu respeito muito o trabalho do cara. Quando termina o dia, perguntam: quantas músicas você censurou hoje? O meu trabalho é fazer música. Quantos sambas você fez hoje? Oito, nove. O dia que eu faço dez eu vou dormir em paz com a minha consciência. Cada um no seu ramo.
MP – Mas você realmente faz oito ou nove sambas por dia?
JA – Faço. E faço samba duplex, também.
(...)
MP – Samba duplex o que é?
JA – São sambas que você pode mudar. Este que eu fiz agora você pode mudar. É sobre o problema da meningite, porque o Leonel me avisou: vai para casa de samba, mas cuidado com a meningite. Me explicou o que era, porque eu não leio muito jornal. Aí eu fiz o samba pelo caminho que diz assim: "Eu fui para São Paulo com a Judith e só saí de lá com a meningite". Eu sei que tem agora umas propagandas de vir pra São Paulo nos fins de semana e eu não quero prejudicar ninguém. Então, se der problema, eu mudo "eu fui para São Paulo com a meningite e só saí de lá com a Judith". Fica, inclusive, como se São Paulo tivesse curado a minha meningite. Faço também adaptações de sambas antigos. Eu tenho umas idéias para o Vinicius de Moraes, que eu admiro muito, aliás.
MP – Você conhece ele?
JA – Pessoalmente, não. Eu estou procurando um contato com ele porque eu fiz uma adaptação daquele samba dele, Formosa, conhece? Mudei pra China Nacionalista.
Leia íntegra da entrevista no link:
http://www.chicobuarque.com.br/sanatorio/julinho.htm

Bibliografia

Página do Projeto Alta Fidelidade, do Núcleo de Pesquisas sobre a História da Música Popular Brasileira de Curitiba (PR).
Nara Leão: Uma Biografia. Sérgio Cabral, Editora Lumiar, 2001.
Verdade Tropical, Caetano Veloso. Companhia das Letras, 1997.
Chega de Saudade. A História e as Histórias da Bossa Nova. Ruy Castro, Companhia das Letras, São Paulo, 1990.
Chico Buarque – Letra e Música. Humberto Werneck, Companhia das Letras, 1989.
Desenho Mágico. Adélia Bezerra de Meneses, Editora Hucitec, 1982.
A Era dos Festivais – Uma Parábola. Zuza Homem de Mello. São Paulo: Editora 34, 2003. 528 p.