quinta-feira, 3 de julho de 2008

Não Quero Mais Amar a Ninguém

Não quero mais
Amar a ninguém
Não fui feliz
O destino não quis
O meu primeiro amor
Morreu como a flor
Ainda em botão
Deixando espinhos
Que dilaceram meu coração

Semente de amor
Sei que sou desde nascença
Mas sem ter vida e fulgor
Eis minha sentença
Tentei pela primeira vez um sonho vibrar
Foi beijo que nasceu
E morreu sem se chegar a dar

Às vezes dou gargalhada
Ao lembrar do passado
Nunca pensei em amor, nunca amei nem fui amado
Se julgas que estou mentindo jurar sou capaz
Foi simples sonho que passou e nada mais.


Nos idos de 1937, quando foi composto este samba, os morros cariocas viviam um período especial. Em que pesem as dificuldades que sempre caracterizaram a vida de seus moradores, o samba estava em alta e o ritmo ali criado e digerido começava a ser difundido pelo resto do País, invadindo as luxuosas noites do Cassino da Urca, com o Regional de Benedito Lacerda.
O gênero ganhava certo glamour e os chamados "sambas de terreiro", hoje denominados “sambas de quadra”, se multiplicavam pelos morros. Eram compostos e mostrados às pastoras e instrumentistas de plantão para que eles os reproduzissem em futuras rodas. Não eram escritos, nem gravados, mas elaborados por seus autores, repassados aos sambistas e reproduzidos à exaustão, até que a letra fosse memorizada pelas pastoras.
Nesse processo minemônico, era natural que alguns versos sofressem pequenas alterações, na base do quem-conta-um-conto-aumenta-um-ponto.
Apesar de ter levado seus estudos apenas até a quarta série, a qualidade das letras de Cartola é reconhecida por todos os críticos e aficcionados por música brasileira.
Se bem que, no Brasil, em 1937, estudar até a quarta série era quase um sinal de erudição, pois boa parte da população não era, sequer, alfabetizada.
Com seus versos refinados, seria natural que "Não Quero Mais Amar a Ninguém" não escapasse de pequenos reparos que facilitassem sua compreensão pelo grande público. Convenhamos que expessões como “deixando espinhos que dilaceram meu coração” não deveriam ser das mais usuais no Morro de Mangueira.
Pois qual não foi a surpresa de Cartola, ao retornar ao terreiro da Escola para conferir seu samba, ouvi-lo ligeiramente modificado na bela voz aguda das pastoras, que, com a cabeça nas luxuosas noites do Cassino da Urca, entoavam apaixonadas: "...Deixando espinhos, Benedito Lacerda do meu coração".
Dilacerado ficou o samba de Cartola.
PS.: Este samba foi gravado, ainda em 1937, por Aracy de Almeida, na Victor, e tirou o primeiro lugar entre os sambas-enredo das escolas de samba daquele ano. Com a letra certa, é claro...

Um comentário:

Vinicius Leandro Terror disse...

Opa, depois da'uma olhada aqui:

http://receitadesamba.blogspot.com/2010/08/ze-com-fome.html

Nesse post tem as duas versões que foram feitas e gravadas dessa musica.

Quando cantada pela Araci, a musica tinha uma letra ainda sem a participação do Cartola, apenas com Zé com Fome e Carlos Cachaça que se chamava só "Nào quero mais".

O verso era "deixando saudades que dilaceram meu coração"

Só depois o Cartola trocou saudades por espinhos e refez a segunda parte toda...

Abraço!