sábado, 1 de setembro de 2007

Ronda

(Paulo Vanzolini)

De noite eu rondo a cidade
A lhe procurar sem encontrar
No meio de olhares espio nas mesas dos bares
Você não está
Volto pra casa abatida

Desenganada da vida
No sonho eu vou descansar
Nele você está
Ai se eu tivesse quem bem me quisesse
Esse alguém me diria
Desiste, essa busca é inútil
Eu não desistia
Porém com perfeita paciência
Sigo a procurar
Hei de encontrar
Bebendo com outras mulheres
Rolando um dadinho
Jogando bilhar
E nesse dia então
Vai dar na primeira edição
Cena de sangue num bar da avenida São João.


Paulo Emílio Vanzolini é diretor do Museu de Zoologia da USP e uma das maiores autoridades em herptologia do mundo. Pra quem não sabe, como eu não sabia até ontem, herptologia é a área da biologia destinada ao estudo de cobras e lagartos.

Talvez, por isso, ao se dedicar a compor nas rodas da boemia, Paulo Vanzolini destilou seu veneno em pérolas da música popular brasileira. Se a maior parte de seu repertório, assim como seus estudos em herptologia, é desconhecida do grande público, Ronda e Volta por Cima encontram-se entre as canções mais executadas do Brasil, rendendo alguns níqueis ao compositor, que, com o dinheiro recebido dos direitos autorais dessas canções, montou uma das maiores bibliotecas da América Latina na área de répteis e anfíbios.

Apesar do sucesso, o compositor não se cansa de soltar cobras e lagartos sobre Ronda, sua música mais famosa. Considera a canção “piegas”, uma “bobagem que fez aos 21 anos", quando estava no Exército e fazia ronda no baixo meretrício:

A coisa mais engraçada é que o povo acha que Ronda é um hino a São Paulo, mas na verdade ela é sobre uma mulher da vida (risos). Naquela época, servindo o Exército, eu patrulhava o baixo meretrício. Uma noite, na saída, eu estava tomando um chope ali pela avenida São João, quando vi uma mulher abrindo a porta do bar e olhando para dentro. Imaginei que ela estava procurando o namorado. Ele pensava que era para fazer as pazes, mas o que ela queria era passar fogo nele (risos).”

Claro que o dinheiro referente aos direitos autorais de Ronda não vem das grandes gravadoras, nem, tampouco, das rádios comerciais, mas dos pedidos feitos em guardanapos molhados de lágrimas nos botecos, em que o título da canção é, muitas vezes, confundido com o da moto japonesa: “Toca Honda”, pedem os boêmios de cotovelos doloridos.

O compositor se diverte com o feito: “Claro que eu recebo o dinheiro que entra de bom coração. (...) Japonesa fica com dor de corno e vai ao karaokê cantar Ronda”.

Ronda foi feita em 1945, mas foi gravada, somente, em 1953. Segundo Vanzolini, Inezita Barroso, muito amiga de sua mulher, foi para o Rio de Janeiro gravar A Moda da Pinga. A gravação seria num sábado à tarde e o casal foi junto para fazer companhia. Chegando lá, perguntaram a Inezita que música seria gravada no lado B do disco. O verso de A Moda da Pinga deve ter-lhe subido à cabeça: “A marvada pinga é que me atrapaia...”. Tremenda dor de cabeça. Àquela altura do campeonato, em pleno sábado, Inezita podia ser, como é, ainda hoje, conhecedora de um vasto repertório, mas onde conseguiria a autorização do autor? Foi por isso que gravou Ronda. E, de acordo com o autor, ainda errou a letra na gravação.

Para ela, a história não foi bem assim:

Eu fui pro Rio gravar A Moda da Pinga. Gostaram muito, e 'do outro lado o quê?' O Paulo Vanzolini estava comigo no Rio, tinha ido fazer um trabalho de zoologia, nós éramos muito amigos e ele foi pro estúdio comigo. Aí ele olhou assim meio pedindo e eu falei: 'Tá bom, do outro lado vai Ronda, do Paulo Vanzolini'. Aí me perguntaram: 'O que é isso?' Falei: 'É um samba paulista'. Pra que eu falei isso. 'Samba paulista, São Paulo não tem samba'. Aí o Canhoto, que era o dono do regional que acompanhava, disse: 'Canta aí pra eu ouvir'. Aí eu cantei Ronda e foi aquele sucesso."

A letra que Inezita cantou e que encabeça esta publicação é um pouco diferente daquela eternizada pelas cantoras Márcia, Maria Bethânia e pelas japonesas com dor de corno que, há mais de cinquenta anos, invadem os Karaokês e alimentam os répteis e anfíbios da biblioteca de Vanzolini.


http://www.sescsp.com.br/sesc/hotsites/mpb4/07_inezita.htm - programa Ensaio, da TV Cultura, em 1998, aos 73 anos de idade.

http://cliquemusic.uol.com.br/br/Servicos/ParaImprimir.asp?Nu_Materia=1490

5 comentários:

Anna disse...

Adorei! Sempre gostei de biografias, diários, cartas etc. Lá a gente fica sabendo um pouco mais da pessoa que a arte imortaliza. Essas curiosidades que estão por trás das letras são bem interessantes e se assemelham às biografias. Do mesmo modo que Vanzolini, sou bióloga especialista em Zoologia e, em vez de Herptologia, estudo Cnidários. Já tive oportunidade de participar de alguns encontros científicos com a presença dele. E a música é o complemento ideal para a Ciência.
Parabéns pelo seu blog. Voltarei mais vezes.

Anônimo disse...

Olá Luís!
Gostei muito do teu blog. Acabei de terminar um projeto que se chama Análise de Letras (www.analisedeletras.com.br), que propõe a discussão de letras de artistas brasileiros na internet. É só se cadastrar e mandar ver nos comentários. Seria uma honra ter você participando.
Será que eu poderia usar seus textos para ilustrar o blog que acompanha o projeto?
Parabéns, são trechos da história da música brasileira que poucos conhecem.
contato: www.analisedeletras.com.br
contato@analisedeletras.com.br

Forte abraço.

Mateus Grava disse...

Amei demais!!! Estava procurando fatos interessantes a respeito de algumas de nossas músicas, para apresentação de um recital que farei aqui em minha cidade, e tive esse imenso prazer de encontrar seu blog. Muito legal! Muito legal mesmo! Obrigado, que belo trabalho!!! Forte abraço!!!

Anônimo disse...

É bom saber algo do varejo artístico musical. Valeu camarada, obrigado.
a)Fernando Rabelo de Souza

Anônimo disse...

SENSACIONOSO