Em 2005, escrevi com o grande amigo, parceiro de trabalho, lamúrias e filosofias de botequim, Daniel Benevides, um texto para a revista Teoria e Debate sobre a música de protesto.
O título foi "tirado" da "Marcha da Quarta-Feira de Cinzas", de Vinícius e Carlos Lyra, transcrita abaixo.
Marcha da Quarta-feira de Cinzas
(Carlos Lyra e Vinícios de Moraes)
Acabou nosso carnaval, ninguém, ouve cantar canções
Ninguém passa mais brincando feliz
E nos corações saudades e cinzas foi o que restou
Pelas ruas o que se vê é uma gente que nem se vê
Que nem se sorri, se beija e se abraça
E sai caminhando, dançando e cantando cantigas de amor
E no entanto é preciso cantar
Mais que nunca é preciso cantar
É preciso cantar e alegrar a cidade
A tristeza que a gente tem qualquer dia vai se acabar
Todos vão sorrir, voltou a esperança
É o povo que dança, contente da vida feliz a cantar
Porque são tão tantas coisas azuis, há tão grandes promessas de luz
Tanto amor para amar que a gente nem sabe
Quem me dera viver pra ver e brincar outros carnavais
Que marchas tão lindas
E o povo cantando seu canto de paz
E no entanto é preciso cantar
Luís Pini Nader e Daniel Benevides
“E muito mais é preciso não deixar
Que amanhã por amor possas esquecer
que quem manda na terra tudo quer
e nem o que é teu bem vai querer dar
por bem não vai não vai”
Canção da Terra
(Edu Lobo / Ruy Guerra) - 1964
Não dá para falar em música de protesto sem mencionar a bossa nova. Engana-se, contudo, quem pensa que a transição de seus “protestos de amor” para a canção engajada teve apenas motivações políticas.
O apartamento de Nara Leão vivia repleto de músicos: Ronaldo Bôscoli, Carlos Lyra, Roberto Menescal e, mais eventualmente, Tom Jobim, Vinicius de Moraes e João Gilberto, que tinha dado o pontapé inicial de tudo isso com Chega de Saudade, em 1959.
Tudo isso é paz, tudo isso traz uma calma de verão. Ou melhor, nem tudo.
Carlos Lyra foi o que mais se destacou quando a bossa nova estourou. Por razões que não vêm ao caso, até porque incertas, Lyra rompeu com a turma, que passou a ter novo “líder”: o noivo da dona do apartamento, jornalista e, agora, ex-parceiro de Lyra, Ronaldo Bôscoli.
Paralelamente ao namoro com Nara, Bôscoli sempre nutrira seus casos. Numa excursão à Argentina com Maysa, sucumbiu aos olhos de ressaca da cantora. Para ele, o romance acabaria no Galeão e assim seria se Maysa não tivesse, na chegada ao aeroporto, convocado uma coletiva para anunciar seu noivado com o jornalista.
O apartamento de Nara rachou. Seu coração também. Agora ele não mais bateria a batida alienada da Bossa Nova, mas pulsaria no ritmo do samba de morro e outros ritmos mais afinados com outra realidade, bem mais distante da Avenida Atlântica.
Fechadas as feridas, Nara reaproximou-se de Carlos Lyra, "exilado” do apartamento e que, àquela altura dos acontecimentos, fazia shows no Centro Popular de Cultura (CPC) e já era parceiro de Vinicius de Moraes.
O amor, o sorriso e a flor se transformam depressa demais. Nara namorava, agora, o cineasta e compositor moçambicano Ruy Guerra, que também se encarregaria de promover seu engajamento político.
Curiosamente, a musa da bossa nova nunca tinha gravado um disco. Em 1963, Lyra e Vinicius convidam Nara a protagonizar a encenação da comédia musical que tinham acabado de fazer, Pobre Menina Rica. Nara faria o papel da própria. A peça contava a história do amor impossível entre o mendigo-poeta e a pobre menina rica. A beleza e o cunho sócio-político das composições eram inegáveis. A peça foi um fracasso estrondoso. A inexperiência de Nara nos palcos e sua timidez talvez tenham impedido que o espetáculo tivesse outra sorte.
Mas o tropeço não lhe abateu. Nara gravou, no mesmo ano, seu primeiro disco, com composições de sambistas do morro, mais especificamente, Zé Ketti, Cartola e Nelson Cavaquinho, e outros compositores ligados ao CPC/UNE, como Edu Lobo, Gianfrancesco Guarnieri, Ruy Guerra, além, claro, de Carlos Lyra e Vinicius. A roupagem ainda era de bossa nova, mas se até aqui era impossível ser feliz sozinho, a partir de agora era imprescindível que todos se unissem para denunciar as mazelas do povo brasileiro. Mais que nunca, era preciso cantar.
O nacionalismo apregoado pelo CPC/UNE era cantado aos quatro cantos.
A dissonância da bossa nova seria, agora, substituída por ritmos originalmente brasileiros, especialmente o samba e o baião. Era chegada a hora de mostrar ao mundo e à classe burguesa o morro e o sertão. O favelado e o sertanejo.
“Me pediram pra deixar de lado toda tristeza,
Pra só trazer alegrias e não falar de pobreza.
(...).
Não separo dor de amor.
Deixo claro que a firmeza do meu canto vem da certeza que tenho
De que o poder que cresce sobre a pobreza e faz dos fracos riqueza
Foi que me fez cantador.”Terra Plana (Geraldo Vandré) - 1968
Se até aqui a canção engajada visava à promoção de valores nacionais e à construção de uma sociedade igualitária, com o golpe de 1º de abril passou a ter de enfrentar um inimigo concreto, de carne, osso e farda verde-oliva.
As entidades estudantis que até então promoviam a canção engajada passaram a ser controladas pelos militares ou, simplesmente, foram fechadas.
A surpreendente ausência de censura prévia nesse período possibilitava à esquerda continuar se valendo da música como palanque contra o regime militar, a desigualdade social, o capitalismo. A diferença é que agora o palco era palanque.
Iniciou-se, então, um circuito de shows freqüentados basicamente por estudantes, que acabou por consolidar esse gênero musical no mercado. Um dos primeiros desses shows, O Fino da Bossa, que estreara no Teatro Paramount de São Paulo, patrocinado pelo Centro Acadêmico XI de Agôsto, foi comprado pela TV Record e transformado num programa de auditório.
Comandado por Elis Regina e Jair Rodrigues, o programa é considerado o marco inicial da chamada Música Popular Brasileira. Ali, eram recebidos compositores e intérpretes, da nova e da velha geração, de forma a valorizar os ritmos nacionais.
Estava preparado o terreno para a chamada Era dos Festivais, que duraria de 1965 e 1969.
O II Festival de Música Popular Brasileira, patrocinado pela TV Record, com final em 10 de outubro de 1966, ilustra muito bem o clima vivido na época.
Jair Rodrigues defendia, com o Trio Maraiá e o Trio Novo, a música Disparada, de Geraldo Vandré e Theo de Barros. A canção era a preferida dos militantes de esquerda, do movimento estudantil e de quem mais tivesse aprendido a dizer não e ver a morte sem chorar. Nara Leão e Chico Buarque concorriam com A Banda, composição deste último. Apesar da “gente sofrida” e do “cada qual no seu canto e em cada canto uma dor” e de todo o duplo sentido contido nessa frase, sob o ponto de vista do protesto, A Banda era tão tímida quanto seu autor. Chico Buarque era visto na época como um compositor talentoso, que lembrava em suas composições o genial e saudoso Noel Rosa, mas era bem-nascido demais, bom moço demais, bonito demais.
O Brasil se dividiu. Parecia que as duas músicas não poderiam coexistir. Era como se fossem duas maneiras antagônicas de enxergar o mundo, a de Chico e a de Vandré. O resultado do festival foi conciliador: as músicas dividiram o primeiro lugar.
Conta, porém, o produtor Zuza Homem de Mello que "uma das músicas ganhou da outra, não houve empate". O nome da vencedora ele não revela, fiel a um compromisso assumido naquela noite com diretor da Record, Paulo Machado de Carvalho Filho – mas tudo leva a crer que tenha sido A Banda. Chico Buarque, portanto, teria cedido o empate, recusando-se a ser o único vencedor.
Essa divisão do público e o acirramento das posições somente se agravariam com o tempo.
Em 1968, no final da fase brasileira do III Festival Internacional da Canção, haveria uma reedição do “duelo” Chico Buarque x Geraldo Vandré, mas, dessa vez, os ânimos estariam muito mais acirrados.
Sabiá (Tom Jobim / Chico Buarque), interpretada por Cynara e Cybele, recebeu, em pleno Maracanãzinho, o prêmio de vencedora e uma das maiores vaias da história.
Geraldo Vandré, talvez por perceber que Sabiá era uma canção do exílio dos novos tempos, ainda que sem saber do exílio a que ele e muitos de seus companheiros seriam submetidos um ano depois, aceitou a derrota ao afirmar que “a vida não se resume a festivais”.
Porém, Vandré ironizava os que defendiam solução conciliadora. Em Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores (Geraldo Vandré), o recado é claro aos que fogem à responsabilidade de escrever a história com as próprias mãos: “Pelas ruas marchando indecisos cordões / Que ainda fazem da flor seu mais forte refrão / E acreditam nas flores vencendo o canhão /Vem vamos embora, que esperar não é saber / quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.
Vandré pregava claramente a luta armada contra a ditadura, entoando sua. Cantiga Brava : “O terreiro lá de casa / Não se varre com vassoura / Varre com ponta de sabre / Bala de metralhadora”.
Mas, se os músicos engajados questionavam o estilo das canções de Chico Buarque, sua própria forma de engajamento passaria a ser questionada por alguns que, até então, engrossavam suas fileiras, como Caetano Veloso e Gilberto Gil.
“Um poeta desfolha a bandeira
E a manhã tropical se inicia
Resplandente, cadente, fagueira
Num calor girassol com alegria
Na geléia geral brasileira
Que o Jornal do Brasil anuncia”.
Geléia Geral (Gilberto Gil) - 1968
No festival de 1967, Caetano Veloso ficaria em 4º lugar com a canção Alegria, Alegria, que desmistificava a necessidade de fazer a revolução ou uma canção de protesto para viver. A alusão a Para Não Dizer Que Não Falei das Flores, ou Caminhando, de Geraldo Vandré é evidente no início da música: “Caminhando contra o vento/Sem lenço, sem documento”. Era o protesto contra o protesto.
Gilberto Gil, acompanhado dos Mutantes e de suas guitarras elétricas, defendeu sua composição Domingo no Parque. Para Gil, vermelhos eram o sorvete e a rosa.
Tratava-se do embrião do tropicalismo. No mesmo ano, Caetano recebe uma das maiores vaias de todos os tempos, ao cantar, no auditório do Tuca, a sua É Proibido Proibir, em que criticava ao mesmo tempo o regime militar e o patrulhamento ideológico de esquerda.
Vaiado, Caetano proferiu um discurso que entrou para a história no qual provocava seus detratores afirmando que se eles soubessem de política o mesmo que sabiam de estética, o país estava perdido.
Em 1968, Caetano e Gil, acompanhados dos Mutantes, de Tom Zé, Gal Costa e (olha ela aí outra vez) Nara Leão, lançam o disco manifesto Tropicália ou Panis et Circenses.
A canção que dá nome ao disco aponta para a necessidade de criar um movimento que resgatasse o que o Brasil tinha produzido de melhor, mas apontasse para um cenário novo: “Eu organizo um movimento, / Eu oriento o carnaval / Eu inauguro um monumento no Palácio Central / Viva A Banda da da / Carmen Miranda da da da da”.
Segundo Caetano Veloso, em seu livro Verdades Tropicais, Geraldo Vandré teria chegado a tirar satisfações com ele, por causa da canção Baby, que seria uma canção alienada e contrária aos padrões nacionalistas, pois se utilizava, inclusive, de termos em inglês.
De fato, se para a esquerda camisetas deveriam trazer mensagens contra a ordem estabelecida, para os tropicalistas elas poderiam dizer, simplesmente “I Love Y♥U”.
Os tropicalistas não se viam na esquerda, nem na direita. Tampouco se consideravam conciliadores de centro. Estavam “acima”.
“Você corta um verso eu escrevo outro
Você me prende vivo eu escapo morto
De repente, olha eu de novo
Perturbando a paz e exigindo o troco”
Pesadelo (Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro) - 1972
13 de dezembro de 1968. Editado o Ato Institucional nº 5. Parece dezembro de um ano dourado.
O Congresso Nacional é fechado, os direitos políticos cassados e a censura prévia é institucionalizada.
Caetano e Gil são presos e exilados em Londres, onde seguem trilhando o caminho da radicalização estética. Geraldo Vandré é exilado no Chile. Hoje, renega sua obra.
Para os estudiosos, é o fim da canção de protesto, ou canção engajada.
Quando o cerco do regime militar se fechou sobre os músicos, a maioria daqueles que integraram o movimento organizado da “canção engajada” mudou de rumo.
Houve, porém, quem passasse a criticar o regime com maior veemência que antes. É o caso de Chico Buarque.
Em 1969, Chico Buarque foi “aconselhado” por amigos, durante excursão que fazia em Portugal, a não voltar para o Brasil. Não voltou. Na Itália,.compõe Agora Falando Sério. Na canção o compositor faz uma autocrítica, confessando-se farto do lirismo que o caracterizava até então e renegando duas de suas canções mais importantes, ou pelo menos, as que tiveram melhor sorte nos festivais: A Banda e Sabiá: “Dou um chute no lirismo / Um pega no cachorro / E um tiro no sabiá / Dou um fora no violino / Faço a mala e corro / Pra não ver banda passar”.
Diminuído anteriormente por seu lirismo exacerbado, Chico Buarque, agora, criticava duramente o regime. A ameaçadora Apesar de Você foi lançada em 1970. O compacto vendeu 100 mil cópias. Após o sucesso, os militares notaram que “você” eram “eles”, perceberam o “equívoco” que cometeram ao não censurar a canção. A gravadora foi invadida e todas as cópias destruídas. A música só foi regravada e lançada em LP em 1978.
O protesto agora tinha de driblar a censura. Mesmo calada a boca resta o peito.
De tanto ver suas músicas censuradas por vício de autoria, ou seja, apenas por levarem sua assinatura, Chico Buarque criou um heterônimo: Julinho da Adelaide. Foram três composições: Acorda, Amor (ou “Chama o Ladrão”), Jorge Maravilha e Milagre Brasileiro.
E deu certo. As duas primeiras foram aprovadas pela censura sem maiores problemas. Quando receberam Milagre Brasileiro, os censores perceberam a alusão direta à política econômica dos militares: “É o milagre brasileiro/Quanto mais trabalho/Menos vejo dinheiro”. Pediram para ver os documentos do compositor. Como Julinho da Adelaide nunca os enviou, a canção não foi liberada. Foi a morte de Julinho.
Antes, porém, Julinho chegou até a dar uma entrevista para o jornal Última Hora sobre sua carreira em ascensão. O jornalista e escritor Mário Prata o entrevistou em 1974, na casa dos pais de Chico Buarque, em São Paulo (leia trechos da entrevista no quadro).
Além de Chico, Paulo César Pinheiro, Aldir Blanc, Vítor Martins, Gonzaguinha, entre outros, seguiram bradando contra o regime por toda a década de 70.
Em entrevista ao jornal A Nova Democracia, Paulo César Pinheiro conta como conseguiu que a canção Pesadelo fosse gravada:
“Num determinado momento, a censura nem aceitava mais a letra escrita, queriam a gravação, porque na gravação poderia conter uma segunda intenção. Então eu disse: “Olha, eu vou fazer uma malandragem. Vou mandar essa música no meio de um bolo que a Odeon sempre manda. Era um período em que havia muito material para mandar. Tinha um disco do Agnaldo Timóteo, com aquelas canções derramadas, e outras coisas românticas. Pedi a um funcionário da casa que enfiasse Pesadelo no meio desses discos. Assim, a música veio liberada. E o MPB-4 a gravou”.
“Meu Deus vem olhar
Vem ver de perto uma cidade a cantar
A evolução da liberdade
Até o dia clarear”
Vai Passar (Chico Buarque) - 1984
Com a abertura política e o fim da censura, a música de protesto perdeu força tal como vinha sendo praticada. Mudou de cara – passando a assumir um rosto também social e voltado para as angústias existenciais do jovem urbano – e de endereço, indo morar nos bairros mais afastados de São Paulo, onde bandas como Ratos do Porão, Inocentes, Cólera e Olho Seco gritavam palavras de ordem contra o sistema sobre uma base urgente de duas, três notas. O movimento punk, ainda que importado da Inglaterra, fazia muito sentido para quem vivia na desesperança de concreto e fumaça da grande metrópole brasileira.
Curiosamente, a influência dos punks atingiu os rapazes bem-nascidos de Brasília, filhos de políticos e diplomatas que, no início dos 80, formaram bandas como Aborto Elétrico e Plebe Rude, e, logo depois, em clave mais “pop”, Legião Urbana, Capital Inicial e Paralamas do Sucesso. Estes, alguns anos mais tarde, amplificariam as angústias de Luiz Inácio sobre os 300 picaretas com anel de doutor, com quem tinha de conviver no Congresso Nacional Constituinte. Era uma vez, é ainda.
Mais que o punk, no entanto, foi o rap que incendiou a imaginação de jovens nas periferias do país, de Porto Alegre ao Recife, começando por São Paulo, onde Thaide e DJ Hum, N de Naldinho e Nelson Triunfo davam o tom da festa, nas baladas “atitude” da estação São Bento do metrô. Foi a poderosa semente de artistas e bandas, dentre tantos, como RZO, Z’África Brasil, Rappin’ Hood, Sabotage e o fenômeno Racionais MCs, talvez os maiores cronistas da dura realidade social, surgidos em meados dos anos 90. Em 1999 lançaram aquele que é apontado por alguns como o disco mais importante da história da música brasileira: Sobrevivendo no Inferno, que, mantendo seu caráter independente, atingiu a impressionante marca de um milhão de cópias vendidas.
No Rio surgia o pessoal da hemp family (O Rappa, Planet Hemp), que misturava o punk com reggae e rap, e adicionava boas doses de Bezerra da Silva, cantando “a real” dos morros cariocas, das drogas, da violência policial etc.
Desde então o rap – ou mais genericamente o hip-hop e suas muitas vertentes e misturas – ganhou centenas de milhares de adeptos e tornou-se, mais até do que música de protesto, ou música social, uma possibilidade real de se fazer ouvir e conquistar um espaço digno na sociedade.
Rap é compromisso, não é viagem. Às vezes paro e reparo, fico a pensar qual seria meu destino senão cantar.
“Eu vou rimando João, caetaneando o som,
que é pra dizer pro mundo inteiro
que somos irmão, preto ou branco
então é essa a questão”
Rap do Bom (Rappin’Hood) - 2001
Entrevista de Julinho de Adelaide
Mário Prata – (...) Eu soube que você está com três músicas novas.
Julinho da Adelaide - Três não, tenho muito mais que três, devo dizer isso. Não tenho culpa se as pessoas pedem sempre as mesmas. Em geral pedem Chama o Ladrão, Jorge Maravilha e O Milagre. Mas eu tenho muito mais músicas. Chama o Ladrão teve um problema com a Censura e O Milagre teve também. Eu queria, inclusive, aproveitar e dizer que eu não quero criar nenhum problema com a Censura, porque, através do Leonel, eu tenho um diálogo muito bom com eles, entende? O Leonel sendo meu procurador, me quebra todos os galhos em todos os sentidos.
MP – Qual a profissão do Leonel?
JA – Na carteira tá comerciário, mas ele não exerce a profissão não. Ele trabalha mais como meu procurador, tem boas relações e tal. Tem, inclusive, boas relações na polícia. Então, em relação à Censura, eu tenho esta posição: eu acho bobagem as pessoas falarem que a Censura prejudica, quando eu acho que o negócio de fazer samba, tem que se fazer muito samba. Eu faço muito samba, entende? Faço vários por dia, mesmo. O sujeito que trabalha lá, o trabalho dele é censurar música. Eu respeito muito o trabalho do cara. Quando termina o dia, perguntam: quantas músicas você censurou hoje? O meu trabalho é fazer música. Quantos sambas você fez hoje? Oito, nove. O dia que eu faço dez eu vou dormir em paz com a minha consciência. Cada um no seu ramo.
MP – Mas você realmente faz oito ou nove sambas por dia?
JA – Faço. E faço samba duplex, também.
(...)
MP – Samba duplex o que é?
JA – São sambas que você pode mudar. Este que eu fiz agora você pode mudar. É sobre o problema da meningite, porque o Leonel me avisou: vai para casa de samba, mas cuidado com a meningite. Me explicou o que era, porque eu não leio muito jornal. Aí eu fiz o samba pelo caminho que diz assim: "Eu fui para São Paulo com a Judith e só saí de lá com a meningite". Eu sei que tem agora umas propagandas de vir pra São Paulo nos fins de semana e eu não quero prejudicar ninguém. Então, se der problema, eu mudo "eu fui para São Paulo com a meningite e só saí de lá com a Judith". Fica, inclusive, como se São Paulo tivesse curado a minha meningite. Faço também adaptações de sambas antigos. Eu tenho umas idéias para o Vinicius de Moraes, que eu admiro muito, aliás.
MP – Você conhece ele?
JA – Pessoalmente, não. Eu estou procurando um contato com ele porque eu fiz uma adaptação daquele samba dele, Formosa, conhece? Mudei pra China Nacionalista.
Leia íntegra da entrevista no link:
http://www.chicobuarque.com.br/sanatorio/julinho.htm
Bibliografia
Página do Projeto Alta Fidelidade, do Núcleo de Pesquisas sobre a História da Música Popular Brasileira de Curitiba (PR).
Nara Leão: Uma Biografia. Sérgio Cabral, Editora Lumiar, 2001.
Verdade Tropical, Caetano Veloso. Companhia das Letras, 1997.
Chega de Saudade. A História e as Histórias da Bossa Nova. Ruy Castro, Companhia das Letras, São Paulo, 1990.
Chico Buarque – Letra e Música. Humberto Werneck, Companhia das Letras, 1989.
Desenho Mágico. Adélia Bezerra de Meneses, Editora Hucitec, 1982.
A Era dos Festivais – Uma Parábola. Zuza Homem de Mello. São Paulo: Editora 34, 2003. 528 p.