sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Garota de Ipanema

(Antonio Carlos Jobim/Vinícius de Moraes)

Olha que coisa mais linda
Mais cheia de graça
É ela menina
Que vem e que passa
Num doce balanço, a caminho do mar
Moça do corpo dourado
Do sol de Ipanema
O seu balançado é mais que um poema
É a coisa mais linda que eu já vi passar

Ah, porque estou tão sozinho
Ah, porque tudo é tão triste
Ah, a beleza que existe
A beleza que não é só minha
Que também passa sozinha

Ah, se ela soubesse
Que quando ela passa
O mundo sorrindo se enche de graça
E fica mais lindo
Por causa do amor

Da Patagônia a Vladivostok, todos conhecem “The Girl from Ipanema”. Que a nossa garota é das mais rodadas, ou melhor, das mais executadas do mundo, também não é novidade para quem vive entre o Oiapoque e o Chuí. Da Penha a Jacarepaguá, da mesma maneira, todos sabem que Tom Jobim e Vinícius de Moraes compuseram esta obra-prima num bar, em homenagem a Heloísa Eneida Menezes Paes Pinto, ou simplesmente Helô Pinheiro.
Antes da visão inspiradora, porém, a música de Tom chegou a receber outra letra de Vinícius, que nenhum dos dois gostou muito. A música se chamaria “Caminho do Mar” e teria a seguinte letra:
“Vinha cansado de tudo
De tantos caminhos
Tão sem poesia
Tão sem passarinhos
Com medo da vida
Com medo de amar
Quando na tarde vazia
Tão linda no espaço
Eu vi a menina
Que vinha num passo
Cheio de balanço
Caminho do mar”
“Caminho do Mar” foi feita para um musical de Tom e Vinícius chamado “Blimp!”, que não chegou a ser encenado. Na peça, os atributos da garota seduziriam um extraterrestre que pousava de disco voador na praia de Ipanema.
Eis que numa bela tarde de 1962, em Ipanema, no Bar Veloso, hoje "Bar Garota de Ipanema”, na esquina da Rua Prudente de Morais com a Rua Montenegro, hoje Rua Vinícius de Moraes, o poeta que viria a dar o nome à rua e seu parceiro, entre uma e outra cervejinha, inspirarados no corpo dourado moradora do número 22 da mesma Rua Montenegro, que passava caminho do mar, resolveram mudar a letra e o nome da música, para dar mais ênfase à Garota que ao Caminho.
Somente dois anos e meio depois, quando “Garota de Ipanema” já era “The Girl from Ipanema”, conhecida em todo o mundo na voz de Astrud Gilberto e no violão de seu marido João, com o auxílio luxuoso do sax de Stan Getz, a garota descobriu que era "a Garota" e retribuiu a gentileza convidando Tom e sua mulher, Thereza, para serem padrinhos de seu casamento.
Esta, pelo menos, é a versão oficial, questionada pelo jornalista, pesquisador e crítico musical João Máximo, em um artigo escrito para o jornal “O Globo”, intitulado “Um clássico rico também em boas histórias”.
O jornalista baseia sua versão numa suposta incongruência de datas: “O samba foi escrito em meados de 1962. E a divulgação do nome da musa aconteceu três anos depois. Quem na época trabalhava na revista ‘Fatos & Fotos’ sabe: o então misto de letrista e repórter Ronaldo Bôscoli, que há muito tempo andava de olho em Heloísa Eneida, vendeu o furo de reportagem ao editor e partiu com o fotógrafo Hélio Santos para mostrar ao mundo a verdadeira Garota de Ipanema. A reportagem foi um sucesso. E promoveu de tal forma o samba que Tom e Vinicius teriam achado melhor assumir que aquela era mesmo sua musa.”
E Vinícius o fez por meio de um texto chamado “A verdadeira Garota de Ipanema”, onde exalta as virtudes da Garota e de Jobim, comparando-o a Einstein. (Leia o texto de Vinícius no comentário a esta postagem).
Se João Máximo está certo em suas afirmações não se pode garantir, mas “Garota de Ipanema” é, de fato, como ele atesta no título de seu artigo, um clássico rico também em boas histórias.
Nos anos 60, Blota Jr. e sua mulher, Sonia Ribeiro, comandavam, na TV Record, o programa “Esta Noite se Improvisa”, em que os concorrentes testavam seus conhecimentos musicais . O apresentador dizia uma palavra e o concorrente que primeiro apertasse o botão colocado à sua frente, dirigia-se ao microfone e cantava uma música, que, obviamente, contivesse a tal palavra.
Os grandes nomes da MPB participavam do programa. Consta que Caetano Veloso era imbatível, seguido de perto por Chico Buarque, que, quando não se lembrava de nenhuma música, não se fazia de rogado e compunha uma na hora, citando, ou inventando, o nome do compositor e a data em que foi feita.
Um dos piores era Vinícius. Não que lhe faltasse conhecimento ou cultura musical. Segundo o poeta, em sua família diziam que ele cantou antes de falar. O que lhe faltava, na verdade, era agilidade para apertar o botão.
Certa noite, porém, Blota Jr. lançou seu bordão:
- A palavra é... “garota”.
Mais que depressa, com agilidade do menino criado na Ilha do Governador, Vinícius premiu o botão e, já aprumado no microfone, pôs-se a cantar, cheio de graça, “Garota de Ipanema”.
Mas cheia de graça, em sua música, quem passa é a menina. Na letra não tem “garota”.
E o poeta, sem graça, voltou ao seu posto, lembrando a garota que vira passar.

Fontes:
http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/asp0708200292.htm
http://www.garotadeipanema.com.br/historia_e_fotos_garota_de_ipanema.htm
http://www.jobim.com.br/
http://www.viniciusdemoraes.com.br/
Humberto Werneck, Gol de letras, em Chico Buarque Letra e Música, Cia da Letras, 1989